O cinema americano sempre viveu de seus ícones e divas eternas. Lembro-me de quando o ator Tom Hanks, durante a transmissão do Globo de Ouro em 2016, fez em seu discurso introdutório à entrega do Cecil B. DeMille Award ao também ator Denzel Washington uma correlação entre os sobrenomes de grandes atores de hollywood e a cultura cinematográfica dos EUA. Em outras palavras: o que ele disse, em outros termos, é que determinados artistas definem uma era, um século, uma década, etc.
Pois bem: não conheço artista que possa definir melhor o que foram os anos 1980 em Hollywood do que o ator Michael J. Fox. Não me esqueço até hoje do dia em que encarei a fila do cinema (gigantesca, é bom deixar claro!) para assistir o - até hoje - fenomenal De volta para o futuro, de Robert Zemeckis. Foi um deslumbre para qualquer pessoa da minha geração. E olha que não se tratava da estreia do ator, muito menos ele fora o primeiro cogitado para o papel. E ainda assim não imagino outra pessoa interpretando o viajante do tempo Marty McFly naquela Delorean desembestada.
O tempo passou, o longa virou uma trilogia, Michael apareceu em outros projetos, mas sua vida foi atravessada de maneira covarde por um diagnóstico de Parkinson. E ele? Não fugiu da luta e decidiu enfrentar a doença de forma impecável, dando prosseguimento à carreira. Pelo menos, até onde pôde.
É exatamente disso que trata - entre, é claro, outras conversas mais debochadas e difíceis - Still: ainda sou Michael J. Fox, documentário de Davis Guggenheim (diretor de Uma verdade inconveniente, Malala e A todo volume, entre outros projetos).
O longa abre com o momento em que o ator descobre a doença num hotel na Rússia e eu simplesmente adorei a coragem do diretor de entrar de sola nessa questão que redefiniu a vida do astro. Mas fiquem tranquilos: há muito pelo que chorar de alegria (e nostalgia) por essa trajetória repleta de talento e persistência.
Vemos entre desabafos, quedas e sessões de terapia, Michael em imagens de seus tempos de glória. Do começo complicado, tendo que provar ao produtor da série que era a melhor escolha para Caras e caretas (onde, inclusive, conheceu sua esposa, Tracy Pollan, com quem tem quatro filhos) até o convite de Spielberg para ingressar na franquia que o tornaria a figura mais popular de hollywood naquela década. Sua participação em filmes de grandes diretores, como Brian de Palma em Pecados de guerra; Paul Schrader em Luz da fama (ao lado da cantora Joan Jett) e Tim Burton em Marte Ataca!. E até mesmo as comédias família (Garoto do futuro, O segredo do meu sucesso, Aprendiz de feiticeiro, Por amor ou por dinheiro, etc) que ajudaram a construir seu legado na indústria.
Contudo, há também menções ao lado hardcore da sua vida: alcoolismo, as dificuldades motoras, a necessidade de se afastar das telas (embora sua carreira tenha ganho uma sobrevida com as dublagens). E é preciso destacar aqui um fato: nada disso é narrado de forma derrotista. Pelo contrário. Fiquei ainda mais fã do ator pela maneira como ele se relacionou com a própria doença, sem se rebaixar a ela, ou mesmo mostrar-se arrependido ou aniquilado. Há, inclusive, trechos em que ele brinca, de forma sarcástica, com sua própria condição.
E isso, acreditem!, só os maiores conseguem realizar.
Ao final da quase uma hora e meia de sessão (e por mim teria com folga mais meia-hora, pelo menos) ficou-me a sensação de estar Michael vivendo, mais do que seu ato final, um adorável carpe diem, como bem mencionou um dia o professor John Keating - vivido pelo grande Robin Williams - em Sociedade dos poetas mortos, de Peter Weir. E ele está mais do que certo.
Aproveite a vida, meu caro, com sua família. Momentos como esse são únicos e insubstituíveis. E, além do mais, você fez por merecer. Pode ter certeza.
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