terça-feira, 23 de maio de 2023

Othon Bastos, 90 ou O sobrevivente


Não são nove ou noventa dias. Não, senhores leitores! São nove décadas de vida e uma carreira brilhante, cheia de nuances interpretativas e, infelizmente, para alguns cinéfilos alienados de hoje em dia, extremamente subestimada. Muitos nem sequer sabem quem ele é (mas deveriam, muito!).

A quem me refiro? Ao ator Othon Bastos, que hoje completa 90 anos de idade e de uma trajetória ímpar dentro do cinema e do audiovisual brasileiro.

Assim como Antônio Pitanga, Hugo Carvana, Jardel Filho, José Lewgoy, Norma Bengell, Maria Lúcia Dahl, Helena Ignez e tantas outras feras (a lista é imensa e desde já peço desculpas pelo esquecimento de quem quer que seja), ele faz parte de uma história gloriosa da nossa sétima arte. Olhe sua filmografia no site do IMDb e certamente - como eu - ficará deslumbrado. 

É daqueles artistas magníficos que já incorporaram praticamente de tudo nas telas (seja tv ou cinema): foi presidente da república, cangaceiro, técnico de futebol de uma era gloriosa do Botafogo, repórter, Bentinho (protagonista célebre da obra seminal de Machado de Assis), professor, coronel, padre, delegado, dono de bar, o religioso Antônio Vieira, visconde, juiz, Josef Mengele, brigadeiro, motorista, embaixador, mágico, dono de drive-in, mordomo cafajeste... ufa! Haja tempo e talento. Para mim, nesse sentido, ele é meio que o Anthony Hopkins nacional. Um faz-tudo da sétima arte. 

Minha última experiência assistindo um longa no qual ele trabalhou foi O paciente: o caso Tancredo Neves, primeiro presidente eleito após o regime militar que sequer chegou a assumir o poder. Procurem! Seu trabalho é brilhante e o filme do diretor Sérgio Rezende - o mesmo de Lamarca e Zuzu Angel - merecia, na época em que foi lançado, bem mais destaque do que realmente teve. 

Contudo, ele ficou reconhecido no país pela carreira que construiu junto aos grandes diretores que se notabilizaram seja no período do cinema novo como também do cinema marginal: Glauber Rocha (Deus e o diabo na terra do sol e O dragão da maldade contra o santo guerreiro), Ruy Guerra (Os deuses e os mortos), Roberto Pires (Tocaia no asfalto), Paulo César Saraceni (Capitu), Leon Hirszman (São Bernardo), etc. Entre os seus trabalhos mais recentes, vale destacar sua participação em Central do Brasil, de Walter Salles; O bicho de sete cabeças, de Laís Bodanzky e O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto (que representou o país como candidato ao oscar de melhor filme estrangeiro em 1998)

Já na televisão participou de marcos da teledramaturgia como as novelas Roque Santeiro e Selva de pedra e as minisséries Tenda dos milagres (baseada em obra de Jorge Amado) e Agosto (adaptação do romance homônimo de Rubem Fonseca). 

E embora tenha reclamado recentemente, em entrevista, da falta de papéis para a sua geração, honestamente não o vejo se aposentando tão cedo. Ele me parece bem mais um remanescente (melhor, um sobrevivente) da grande era da nossa arte dramática. E isso não desaparece assim tão fácil do radar. Não mesmo. 

Que venham os 100, Othon! Assim como aconteceu com o também gigante Kirk Douglas, do eterno Spartacus. Você também merece.  


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