domingo, 14 de maio de 2023

O teatro nacional ainda ruge... Que bom!


Marmelada de banana

Bananada de goiaba

Goiabada de marmelo...


Quem não se lembra do Sítio do picapau amarelo, obra seminal do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), que abrilhantou as manhãs de muitas crianças no Brasil com seu programa exibido na Rede Globo? Pois então... O tempo passou, Zilka Salaberry - que interpretava a eterna Dona Benta - faleceu, bem como outros artistas da trama original, ganhou nova versão (menos antológica, é bom que se diga!), seu autor vem sendo perseguido como racista há praticamente uma década e mais uma coisinha aqui, outra ali.

Mas o principal: foi rediscutida numa peça corajosa e imprescindível para entendermos o Brasil de hoje. 

Agropeça, espetáculo do Teatro da Vertigem dirigido por Antônio Araújo e com texto de Marcelino Freire, se apropria dos personagens míticos dessa obra ímpar - Visconde de Sabugosa, Emília, Tia Anastácia, Narizinho, Pedrinho, etc - e os põe em contato com aquilo que nosso país virou de mais sórdido e reacionário nos últimos anos. E é, claro, muito bem-vinda nesse sentido!

A companhia teatral, famosa por seus espetáculos visionários (muitos deles fora do teatro convencional), aborda questões sociais que pulverizaram o país nos últimos tempos, em alguns casos de forma até macabra: gordofobia, diversidade de gênero, o agronegócio de viés opressor, discursos políticos exaltados, raça, religião, trabalho análogo à escravidão e, principalmente, a branquitude incômoda que nos acompanha como "nação" desde 1500.

No palco o sítio dá lugar a uma arena de rodeio onde locutores se sucedem, cada um apresentando o show à sua maneira. Emília, a boneca de pano, é vivida - pasmem! - por um travesti, Dona Benta faz Tia Anástácia assinar um papel que garante que ela não é uma escrava da família (embora não receba salário), um boi é lançado e domado diante do público, é feita alusão ao 'patriota do caminho' (meme que ganhou projeção durante os acampamentos nos quartéis pós-última eleição), toca o clássico da música sertaneja "Romaria"...

Sim, meus caros leitores... Assim como 1984, clássico de George Orwell, Agropeça também é uma distopia. E uma bem poderosa e divisiva.

Contudo, nunca precisamos tanto dela. A cultura, sempre boicotada e empurrada para o fim da fila nesse país que adora uma ignorância coletiva, depende - e muito - de projetos (praticamente provocações) como esse. O segmento pensante da sociedade brasileira deveria agradecer. De joelhos, se possível. 

Sim, ainda há fúria e coragem no teatro brasileiro. Ele ruge, vocifera, agride, faz seu papel.  E a melhor parte: permanece de pé, graças a Deus!

Corre agora, gente, antes que ele saia de cartaz.  


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