Marmelada de banana
Bananada de goiaba
Goiabada de marmelo...
Quem não se lembra do Sítio do picapau amarelo, obra seminal do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), que abrilhantou as manhãs de muitas crianças no Brasil com seu programa exibido na Rede Globo? Pois então... O tempo passou, Zilka Salaberry - que interpretava a eterna Dona Benta - faleceu, bem como outros artistas da trama original, ganhou nova versão (menos antológica, é bom que se diga!), seu autor vem sendo perseguido como racista há praticamente uma década e mais uma coisinha aqui, outra ali.
Mas o principal: foi rediscutida numa peça corajosa e imprescindível para entendermos o Brasil de hoje.
Agropeça, espetáculo do Teatro da Vertigem dirigido por Antônio Araújo e com texto de Marcelino Freire, se apropria dos personagens míticos dessa obra ímpar - Visconde de Sabugosa, Emília, Tia Anastácia, Narizinho, Pedrinho, etc - e os põe em contato com aquilo que nosso país virou de mais sórdido e reacionário nos últimos anos. E é, claro, muito bem-vinda nesse sentido!
A companhia teatral, famosa por seus espetáculos visionários (muitos deles fora do teatro convencional), aborda questões sociais que pulverizaram o país nos últimos tempos, em alguns casos de forma até macabra: gordofobia, diversidade de gênero, o agronegócio de viés opressor, discursos políticos exaltados, raça, religião, trabalho análogo à escravidão e, principalmente, a branquitude incômoda que nos acompanha como "nação" desde 1500.
No palco o sítio dá lugar a uma arena de rodeio onde locutores se sucedem, cada um apresentando o show à sua maneira. Emília, a boneca de pano, é vivida - pasmem! - por um travesti, Dona Benta faz Tia Anástácia assinar um papel que garante que ela não é uma escrava da família (embora não receba salário), um boi é lançado e domado diante do público, é feita alusão ao 'patriota do caminho' (meme que ganhou projeção durante os acampamentos nos quartéis pós-última eleição), toca o clássico da música sertaneja "Romaria"...
Sim, meus caros leitores... Assim como 1984, clássico de George Orwell, Agropeça também é uma distopia. E uma bem poderosa e divisiva.
Contudo, nunca precisamos tanto dela. A cultura, sempre boicotada e empurrada para o fim da fila nesse país que adora uma ignorância coletiva, depende - e muito - de projetos (praticamente provocações) como esse. O segmento pensante da sociedade brasileira deveria agradecer. De joelhos, se possível.
Sim, ainda há fúria e coragem no teatro brasileiro. Ele ruge, vocifera, agride, faz seu papel. E a melhor parte: permanece de pé, graças a Deus!
Corre agora, gente, antes que ele saia de cartaz.
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