domingo, 31 de outubro de 2021

Os jovens ditam as cartas


Pensar no cinema feito para adolescentes hoje em dia é muito fácil. Mais do que isso: eles são hoje a predominância do mercado audiovisual. Marvel, DC e Disney, só para citar as gigantes da indústria, encontraram um formato capaz de levar multidões às salas de projeção (e se o filme puder ser em 3D ou Imax, melhor ainda!). Complicado mesmo é encontrar nesse século XXI filmes para adultos. Ou em outras palavras: você precisa se virar ou assinar um streaming para vê-los. 

Contudo, houve um tempo em que hollywood não pensava nisso e até considerava o público jovem (ou teen, como preferimos chamar hoje em dia) um público ingrato. Haviam franquias, é bem verdade, mas elas atendiam à públicos das mais diversas faixas etárias. Não se construía uma trama em torno dos jovens. Eles não eram a motivação ou o modus operandi que determinava a história. Até que um grupo de loucos, rebeldes, insanos ou como você quiser chamá-los, decidiu na marra que os transformaria no centro das atenções. E essa geração ficou conhecida como geração BRAT ou Brat pack. 

A princípio um movimento associado às comédias adolescentes - mas não somente isso - os longas juvenis dos anos 1980 são vistos hoje pelos críticos e estudiosos do período como um "resgate da rebeldia das produções jovens dos anos 1950 junto com a inocência e o bom humor dos longas da década seguinte". E eu, mísero colunista metido a besta, não conseguiria encontrar uma definição melhor para o que esses alucinados visionários fizeram. 

E a maioria dos atores que compôs essa geração tinha uma maneira diferente de pensar a própria carreira. Conviviam fora dos sets de filmagem, pareciam colegas de escola, frequentavam as mesmas festas e transpunham toda essa informalidade para o registro audiovisual das telas. Não possuíam uma carreira acadêmica específica e muitos deles sequer estudaram artes cênicas (o que, no futuro, lhes rendeu muitas críticas, sendo taxados de irresponsáveis além de se envolverem em muitos escândalos, que levou parte do grupo a um encerramento abrupto ou trágico da própria carreira). Entretanto, numa releitura proposta a partir dos anos 2000, muitos consideram hoje essa postura rebelde meio que uma mística ou reflexo daqueles tempos.   

Nenhum outro nome é tão associado à Brat Pack quanto o do diretor John Hughes (responsável por obras-primas do período como Clube dos cinco, Mulher nota mil, Gatinhas e gatões e aquele que eu considero o filme-definidor dessa década, Curtindo a vida adoidado). Hughes defendia a ideia de que a sétima arte não era sinônimo unicamente do que era sofisticado e/ou complexo. Durante uma entrevista declarou: “Eu gosto do que é simples, das coisas mais ordinárias. O extraordinário não me interessa. Não me importo com psicopatas. Me interesso por aquela pessoa que acha que não tem uma história. Eu gosto do homem comum”. E fez disso seu porto seguro e, consequentemente, a menina dos olhos do seu cinema que é revisto até hoje à exaustão. 

Mas é preciso também fazer jus a dois longas específicos que ajudaram a antever o que seria a geração BRAT. Falo especificamente da comédia Picardias estudantis, de Amy Heckerling (que traz um jovem e excepcional Sean Penn ainda no início da carreira) e o extraordinário Jovens sem rumo, de Francis Ford Coppola (que praticamente reúne toda a geração jovem daquele período, de Matt Dillon à Tom Cruise, passando por Ralph Macchio e Patrick Swayze). Ambos abriram as portas para o fenômeno que viria a seguir.

Era um grande barato para qualquer adolescente daquela época (e eu acompanhei tudo de perto com meus 12, 13, 14 anos) tentar adivinhar o que havia dentro da mala do Chevrolet Malibu dirigido pelo personagem de Emilio Estevez que matava tanta gente em Repo man: a onda punk, de Alex Cox, acompanhar todo o sofrimento de Morgan Hiller (James Spader) em Tuff Turf: o rebelde, de Fritz Kiersch, e sua obsessão pela belíssima loira, namorada do líder da gangue ou mesmo apenas ver na surdina as cenas calientes de Danny (Rob Lowe) e Debbie (Demi Moore, no auge da beleza) em Sobre ontem à noite..., de Edward Zwick, que três anos depois realizaria o formidável Tempo de Glória, com Denzel Washington. 

E para que não me acusem de esquecimento ou privilegiar certos longas, fica abaixo uma breve listinha com outras pérolas desse período tão fértil:

O Primeiro ano do resto de nossas vidas, de Joel Schumacher 

A garota de rosa-shocking, de Howard Deutch 

Abaixo de zero, de Marek Kanievska

De volta às aulas, de Alan Metter 

Manequim, de Michael Gottlieb

Toque de recolher, de Harold Becker

Vou parando por aqui, pois quero que as novas gerações adolescentes viciadas em heróis, zumbis, vampiros e outras criaturas sobrenaturais vão à luta à procurem no Google, you tube e adjacências mais informações sobre essa galera, que é formidável em todos os sentidos e não envelheceu um segundo sequer. E acreditem: vocês irão se surpreender com o que vão encontrar a respeito. Podem apostar! 


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