Conhecem aquela expressão "viver é precioso"? Então... Levando-se em consideração o que tem sido o século XXI e a demolição de certos conceitos e estruturas até então vistas como eternas, essa frase ganhou uma conotação ainda maior e mais assustadora. A sensação que eu tenho às vezes é a de estarmos vivendo nossos últimos instantes como civilização. E tudo isso é tratado pelo ser humano médio como uma grande brincadeira ou celebração.
O desrespeito à vida virou um way of life que se replica cada vez mais rápido com a "ajuda" das redes sociais e reality shows que invadem a sociedade todo santo dia. E o que nos sobra de lúcido precisa ser vivenciado à máxima potência, pois pode acabar a qualquer momento e nos deixar órfãos de sanidade.
Parece consulta de desajustado mental com seu terapeuta, mas não é. É o mundo real e suas distorções repetitivas me fazendo pensar a todo momento o que é que eu ainda estou fazendo por aqui. E o diretor M. Night Shyamalan - dos clássicos O sexto sentido e Corpo fechado - me fez pensar nisso novamente e de forma um tanto quanto preocupante com seu novo e misterioso longa, Tempo.
Um grupo de turistas se hospeda num resort distante de praticamente tudo no planeta terra e imagina que irá se esbaldar em meio a inúmeras atrações. São recebidos pela gerência do local como se fossem celebridades ilustres, só faltando o tapete vermelho da temporada de prêmios. Após desfrutarem de alguns privilégios do lugar são informados da existência de uma praia privativa, apenas para uso de clientes vip e decidem conhecê-la. E é justamente nesse momento que percebem que suas vidas nunca mais serão as mesmas.
O lugar que se prometia um oásis refrescante começa a mostrar sinais inquietantes quando os turistas começam a envelhecer numa velocidade espantosa. E não somente isso: Algumas das pessoas, que possuem condições de saúde específicas (uma delas possui um tumor, outra sofre de epilepsia) veem seus casos serem agravados. Com o passar das horas, descobrem que a cada 30 minutos eles envelhecem o correspondente a um ano de vida. Logo, no final do dia, muitos deles já terão falecido.
E o resultado dessa informação é puro caos: assassinato; os filhos pequenos crescem, se relacionam, engravidam, sofrem aborto; a pessoa de mais idade na ilha sofre um enfarto, o médico que acompanha o grupo enlouquece; um perde parte da audição, outro perde parte da visão... Toda a rotina deles é abalada, pois o tempo que possuem de vida foi significativamente alterado e a única salvação é fugir da ilha, mas isso também é um problema de difícil solução.
Entretanto, o que a película de Shyamalan tem de mais valioso é levar em consideração o que era a vida dessas pessoas antes de chegarem à ilha. Trata-se de um grupo que embora aparente estar bem resolvido, estar em paz, percebe-se logo de cara que vivem de forma infeliz ou desperdiçada. Um casal vive à sombra do adultério, o outro é um mescla de uma mulher que nunca enxergou a vida além da própria beleza e o marido, cansado por uma existência estafante e repetitiva. E quando o desfecho, o motivo pelo qual a ilha existe, é enfim esmiuçado para os espectadores, uma certeza é visível: a de que estamos vivendo em torno de nossas próprias ganâncias e comodismos.
E nenhum paraíso terrestre ou ponto turístico mudará essa realidade, não importa o quanto você sonhe ou deseje isso!
Tempo é uma grande parábola sobre a vida, a crise humana e as eternas escolhas equivocadas e nonsenses que fazemos ao longo de nossas jornadas. Passamos tanto tempo contabilizando patrimônios e emoções que não nos damos conta do simples, do verdadeiramente útil, daquilo que é válido. Estamos, enfim, registrando nossa passagem aqui pela terra como calculamos balancetes patrimoniais ou fazemos a declaração do imposto de renda. E isso é por demais assustador!
Desde A vila - realizado pelo diretor 17 anos atrás - um filme de Shyamalan não mexia tanto comigo. O tema presente nas entrelinhas da trama é de uma realidade assustadoramente autêntica. E o pior: vai ter gente saindo do cinema dizendo que tudo não passa da cabeça de um artista desmiolado, tamanha a alienação e o negacionismo vigente nos tempos atuais. Mesmo assim, convido os leitores dessa crítica a darem uma chance ao filme.
É, com folga, uma das melhores coisas que eu assisti esse ano em termos de sétima arte. A questão primordial é: diferentemente dos blockbusters vazios e repletos de CGI você precisa enxergar além do óbvio. E isso, atualmente, é para um grupo seleto de espectadores.
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