terça-feira, 12 de outubro de 2021

Pai nosso que estás no Rio de Janeiro


Enquanto alguns habitantes da cidade maravilhosa se ressentem da chegada à terceira idade e começam a dar piti aos 60 anos, reclamando de tudo, dores, velhice, locomoção lenta, perda da memória, cabelos brancos etc etc etc, uma figura notória de nossa cidade chega às nove décadas com corpinho de... (melhor pular essa parte!). Falo - e com orgulho - da estátua do Cristo Redentor que hoje completa 90 anos de pura fé e esperança. 

Localizado no Morro do Corcovado à 710 metros de altitude, com 38 metros de altura e pesando 1145 toneladas, o monumento (um dos maiores no estilo art déco no mundo) abençoa lá de cima a cidade que cantou Vinicius, Caymmi, Noel Rosa e Roberto Carlos. E acreditem: nos últimos anos andamos precisando, e muito!, dessa benção. 

Embora tenha sido inaugurado em 1931 a ideia começa a nascer mesmo em 1859 quando o padre Pedro Maria Boss, capelão do Colégio Imaculada Conceição (em Botafogo) decide erigir na capital do império um monumento de exaltação à fé cristã. Contudo, a autorização para a construção só sairia em 1º de junho de 1922, por vontade de Homero Baptista, então Ministro da Fazenda, e sua pedra fundamental lançada meses depois, em outubro. 

O empreendimento passou por uma série de revezes, pois mais de um projeto foi oferecido e mudanças precisaram ser feitas ao longo dos anos. Na concepção inicial, por exemplo, a figura de Jesus Cristo empunharia em sua mão direita um globo e na esquerda uma cruz. Mas a proposta acabou recusada e, ao final, o desenho escolhido foi o do professor de gravura e desenho do Liceu de artes e ofícios do Rio de Janeiro, Carlos Oswald. Entretanto, um especialista em estatuária, o artista francês de origem polonesa, Paul Landowsky, foi chamado para ajudar na construção. E mesmo com tantas reviravoltas, a mobilização popular na época foi grande (o que prova o quanto a devoção católica já era imensa naquele período).  

No dia da inauguração o físico Guglielmo Marconi, inventor do telégrafo, ligou os refletores da estátua da Itália, porém conforme informações do site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o sistema não funcionou como o esperado, e o Cristo acabou sendo iluminado graças à habilidade do engenheiro Gustavo Corção e sua equipe. 

Ao longo das décadas a estátua foi alvo de grandes homenagens e polêmicas. Durante uma edição do programa Criança Esperança, o comediante Renato Aragão fez questão de subir no monumento para tocar numa das mãos do Cristo. Já em 1989 o carnavalesco Joãosinho Trinta trouxe no enredo "Ratos e urubus, larguem a minha fantasia", da Beija-flor de Nilópolis uma escultura do Cristo mendigo e sofreu severas críticas por parte da Arquidiocese, responsável pela gestão do Cristo Redentor. Resultado: a estátua desfilou no sambódromo coberta por uma capa preta e segurando uma placa com os dizeres "mesmo proibido, olhai por nós". 

E ao longo dos anos, toda vez que a cidade do Rio de Janeiro entrou em algum tipo de crise econômica ou política, a imagem do Cristo Redentor foi muito utilizada por chargistas em algum tipo de sátira ou denúncia, seja juntando as mãos em oração, seja com os braços levantados em posição de assalto ou mesmo vertendo lágrimas. E tem sempre quem veja isso como desrespeito ou falta de consideração!

Em 1990, o monumento foi restaurado e em 7 de julho de 2007, o Cristo Redentor foi eleito uma das sete maravilhas do mundo moderno. Ficou em terceiro lugar, atrás da Muralha da China e da Cidade de Petra, na Jordânia. Se grandes artistas e figuras públicas - como Lady Di, Obama, Jim Carrey, o Papa João Paulo II, entre tantos outros - já gostavam de visitar o ponto turístico, depois da premiação isso virou uma espécie de programação obrigatória na cidade. Eu mesmo quando lá estive, coisa de uns 15 anos atrás, fiquei extasiado com a imagem que se vê da cidade lá de cima. 

Digo mais: tive a sensação, em alguns momentos, de estar vislumbrando uma espécie de mundo paralelo. Difícil explicar o que meus olhos realmente viram. E fiquei imaginando então o que se passa na cabeça dos católicos mais fanáticos que visitam o local. 

Resta dizer mais alguma coisa? Sim. Que o Cristo nos viu rir, chorar, celebrar, nos lamentar, rezar - e muito - por uma cidade melhor, mais justa, não refém de modelos religiosos extremistas, agradecer (algo do qual a sociedade, muitas vezes, se esquece porque prefere só reclamar, mandar, exigir), pedir paz e não a guerra, diálogo e não conflito. E, no final das contas, se sentir orgulhoso porque a nossa cidade, essa que tantos falaram mal e preferiram ir embora nos últimos tempos, tem o filho do criador olhando por nós, bem de pertinho. E isso, meus amigos, é pra poucos.   


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