sábado, 11 de setembro de 2021

O dia D da grande nação


Eu lembro do exato momento. Não, é sério! Eu realmente me lembro, Ia para o trabalho (trabalhava numa rede de cinemas, no cinema São Luiz, no Largo do Machado) e o ônibus que peguei para abruptamente em frente a uma padaria estilosa. Todos os passageiros - de maneira inacreditável, pois nunca havia presenciado tal ato em toda a minha vida - saltam correndo do veículo e se dirigem a um aparelho televisor afixado na parede. 

Penso então comigo naquele exato momento: "é um assalto e eu cochilei. Só sobrou eu para ser roubado". Mas não. Ninguém me interpela. Salto também do ônibus, dirijo-me à padaria e consequentemente ao televisor. Na tela, um prédio gigantesco tem um de seus andares em chamas. O narrador da matéria diz que ele acabara de ser atingido por um avião. 

O dia: 11 de setembro de 2001. O local: o World Trade Center. E a consequência disso é a que os EUA e o mundo nunca mais foram os mesmos. 

Chega 2021 e a maior tragédia deste século completa 20 anos. E o pior: o país que sofreu esta tragédia não só não melhorou realmente como nação, como se tornou uma terra de fanáticos, psicóticos, pessoas que têm medo - em muitos casos - da própria sombra, do próprio vizinho, da própria cidade onde moram. 

O dia D que abateu aquela que, volta e meia, se autointitula a "maior nação do planeta" produziu cicatrizes muito mais profundas do que as quase três mil vidas perdidas ou o ato simplesmente. Dos destroços, vítimas fatais, fumaça e poeira tóxica à indignação, o ódio e o sentimento de revolta, de querer vingança. George W. Bush, presidente então, promete à seus eleitores: "eles pagarão por isso". 

Começa então o inferno, a chegada das tropas americanas no Oriente Médio e, mais do que isso, a vigilância, a eterna mania de vigiar os demais. Algo que o tio Sam, desde que o mundo é mundo, sempre adorou. 

O tempo passa, os dias, as semanas, os meses, os anos... Duas décadas. E a tragédia migra da esfera governamental para o cotidiano, para o dia-a-dia. A falta de respeito cresce nos metrôs e ônibus e aviões. Qualquer um que meramente se pareça com um iraniano ou iraquiano ou palestino ou paquistanês ou qualquer outra nacionalidade ou etnia oriunda daquela região do mundo vira um inimigo. Na hora. 

Em O plano perfeito, filme do diretor Spike Lee, a polícia ao ver como um dos reféns do assalto a banco um homem de feições palestinas, deixa de considerá-lo vítima e passa a desconfiar de sua participação no crime. O arquiteto do roubo é um homem branco, bem vestido, de voz britânica (interpretado por Clive Owen). Contudo, para os policiais fica o ranço, o preconceito. E eles, os americanos, sabem ser preconceituosos e racistas como poucos ao redor do mundo. 

Multiplique aquela cena, aquele momento do filme, por um milhão e talvez você comece a entender o que virou a América (é assim que os norte-americanos gostam de se apresentar para o resto do mundo: como se fossem, sozinhos, um continente inteiro) nessas últimas duas décadas. 

A frase de Osama Bin Laden estava coberta de razão: "eles nunca mais irão se esquecer desse dia".  

Uma vizinha minha, dos tempos de Méier, disse-me na ocasião: "só faltou eles explodirem a Estátua da Liberdade. Se eles tivessem feito isso também, imagina o Deus nos acuda que seria!". Miriam, minha cara, já foi, ainda é, até hoje, um Deus nos acuda. Eles elegeram Trump. Eles chegaram a abandonar o acordo do clima em Paris. Eles começaram a construir um muro que os separasse do México (mesmo depois de tudo o que roubaram no passado desse mesmo país). 

Vieram Fahrenheit 11 de setembro, de Michael Moore (que chamou o presidente do país de fictício) e As torres gêmeas, de Oliver Stone e o oscar (imerecido) de melhor filme para Guerra ao terror, de Kathryn Bigelow e a Obamania com toda a frustração da comunidade negra que aguardou, esperançosamente, por mudanças sociais que não aconteceram de fato e o extremismo, a incitação à violência, o fanatismo e finalmente a invasão ao congresso por aqueles que não aceitaram a derrota de Trump nas eleições. 

E o "vamos ser grandes novamente" só deu lugar à histeria e o repúdio ao próximo (no caso, aquele que pensa diferente de uma suposta maioria). Então vocês pensam, desolados: "Acabou". Não. O talibã voltou e com força. A tv e a internet mostraram o ocorrido no Aeroporto de Cabul. As imagens falam por si. 

Sim, haverão cenas dos próximos capítulos. De novo. E serão amargas. De novo. De certeza mesmo, apenas uma: guerra nunca ensinou nada de bom ao mundo. O problema é fazer os homens entenderem isso!    

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