segunda-feira, 6 de setembro de 2021

O bon vivant da Nouvelle Vague


Eu não sei ao certo - na verdade, nunca soube - o que faz de um ator um ícone ou um galã ou mesmo ambos, e mesmo assim confesso: alguns tem isso de sobra, pra dar e vender. E de tempos em tempos quando um dos grandes parte, quando chega a sua hora, nós, cinéfilos de carteirinha, ficamos tristes, arrasados, pois nunca mais teremos a chance de ver nada novo com ele. É... Infelizmente hoje isso aconteceu de novo. 

O cinema francês e mundial perde, aos 88 anos, o ator (ator, não! lenda) Jean-Paul Belmondo. 

Dentre seus 91 créditos de filmagem como dispostos no site do IMDb, a primeira impressão que fica sempre será a de "a cara da nouvelle vague". Por mais que apreciássemos - e ainda apreciemos - a beleza das grandes divas e o talento notório de Truffaut, Godard, Malle e companhia, Belmondo sempre foi uma força-motriz que pairou sobre aquele período. Que o diga Acossado, com certeza o longa mais famoso no qual trabalhou.

Aliás, a relação entre Belmondo e Godard sempre foi de uma grandeza absurda. E Godard nunca escondeu que o galã era o seu ator-fetiche. É fácil entender o porquê. No ano passado assisti no you tube a última entrevista dada pelo ator (ele já tinha mais de 80 anos) para um jornalista na França e me surpreendi com sua erudição, elegância e, principalmente, lucidez. Um mestre, sem sombra de dúvidas. 

Ao longo da versátil carreira, é possível encontrá-lo na mais leve sátira, como em Casino Royale - uma gozação divertidíssima em cima da franquia 007, que eu recomendo aos espectadores do bom cinema de olhos fechados -, aqui mesmo, na cidade maravilhosa, em O homem do rio, que durante um certo período virou uma espécie de filme cult no nosso país, como também em obras-primas como Paris está em chamas?, que cá entre nós, merece ser redescoberta por essa nova geração de cinéfilos que só quer saber de super-poderes e criaturas sobrenaturais. 

Em suma: não havia desafio que superasse seu talento e charme. 

Belmondo era debochado, à frente do seu tempo, galanteador, cafajeste, meticuloso, sabia ser mau quando era para ser mau e ótimo quando era para ser bom. E nunca entregou na tela menos do que o melhor. E concordo com os críticos de cinema que defendem que ele foi tão grandioso quanto Marlon Brando e Cary Grant. Era - e com folga. 

Fiquei sabendo de sua existência como artista através de meu pai, que era uma grande fã. Certa ocasião, ao vê-lo sentado em frente a tv de madrugada perguntei o que ele estava vendo. Ele se virou para mim e disse: "você precisa conhecer esse ator o quanto antes. Esse é gênio". O filme em questão era O demônio das onze horas (ou em francês: Pierrot Le fou), mas de bobo ou tolo seu personagem não tinha nada. 

Virei fã na mesma hora e ainda naquela semana aluguei mais três filmes com ele na videolocadora perto de casa. Eram tempos de VHS, então façam as contas para ver quanto tempo isso tem...

O que nos sobra após sua morte sentida? Primeiro: ele foi o grande bon vivant da nouvelle vague e do cinema mundial e acho praticamente impossível que alguém um dia o supere. E segundo: eis um bom - não, um excelente motivo - para conhecermos ou reassistirmos a sua obra cinematográfica, cheia de pérolas memoráveis. Aproveita essa onda dos streamings em massa. Tenho certeza que, em algum lugar, estão fazendo uma mostra em homenagem a ele. 

Fica com Deus, Jean! O cinema não vai mais ser a mesma coisa sem você. Pode ter certeza. 


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