segunda-feira, 30 de agosto de 2021

O stalker


É preciso confessar algo aos meus leitores de longa data: ando meio assustado com essa geração de cinéfilos atuais que vão ao cinema apenas para conferir franquias e blockbusters vazios e que exigem cenas de ação rebuscadas, por vezes nonsense, beirando até mesmo o surreal. Hollywood definitivamente virou uma grande megalomania e isso não é necessariamente um elogio. Pelo contrário... Em muitos casos a falta de uma ideia ou premissa simples faz toda a diferença para que nós, espectadores, possamos seguir com gosto a narrativa proposta pelo diretor. 

E não é que o ano de 2021 quase acaba e eu me esqueço de falar de um clássico que mudou completamente a minha concepção sobre cinema americano e está comemorando 50 anos de carreira trazendo como sua principal virtude exatamente isso: uma ideia simples e bem realizada? Estou falando logicamente de Encurralado, filme de estreia do diretor Steven Spielberg, que já mostrava muito do que iria se tornar o blockbuster moderno nos anos seguintes. 

E para que vocês, leitores, tenham noção clara do quanto a premissa da história é simples, ei-la: David Mann (Dennis Weaver) é um homem de negócios que viaja pelas estradas empoeiradas dos EUA quando percebe que está sendo perseguindo por um caminhoneiro completamente enfurecido, sem nenhuma razão aparente para tal. E... Pois é: esse é o longa. Pouco mais de uma hora e 20 minutos da mais pura perseguição alucinada por uma América anos-luz daquela que conhecemos por suas vitórias, paisagens exuberantes e a eterna Las Vegas. 

David se esconde onde pode, procura refúgio num restaurante, tenta ajudar crianças na estrada, que porventura possam vir a ser atropeladas pelo maníaco, corre, corre muito, foge (e como foge!). A única coisa que ele não consegue é ver o rosto de seu algoz. Na verdade, nem ele nem nós, espectadores aflitos, doidos para ver o semblante aterrorizante do antagonista. 

E como pano de fundo para essa fuga desenfreada muitos closes e uma sensação recorrente de claustrofobia. Eu confesso: senti a todo momento a agonia de David, como se eu fosse o perseguido. E o caminhoneiro stalker não dá trégua um segundo sequer. 

Apenas para aguçar a curiosidade dos mais nerds e fanáticos, encontrei no IMDb a identidade do ator por trás do motorista. O nome dele é Carey Loftin, é considerado uma lenda dentre os dublês pilotos, tem quase 400 créditos em longas os mais diversos e ano que vem completará duas décadas e meia de falecido. Uma pena! Realizou um grande trabalho e passamos anos sem saber de fato como ele era, quase como o(s) ator(es) que interpretaram Jason na franquia Sexta-feira 13

Um outro detalhe que eu não posso deixar de mencionar acerca deste longa: antes de assistir Encurralado os filmes que eu conhecia de Steven Spielberg eram os mais famosos e celebrados pela mídia (E.T, Contatos imediatos do terceiro  grau, Tubarão etc) e eu passei, então, a ter uma outra dimensão sobre o diretor. Comecei a entender que ele não era apenas o cineasta por trás de criaturas assassinas e alienígenas fofinhos. A partir daí encontrei longas como A cor púrpura, Além da eternidade e O Império do sol e minha admiração pelo seu trabalho só aumentou. Em outras palavras: Encurralado, para mim, é um grande divisor de águas na forma como me relaciono com a sua filmografia. Um "antes e depois" curiosíssimo, diga-se de passagem! 

Se possível, após assistir ao filme, procurem também por produções como Corrida contra o destino, de Richard Serafian e Corrida sem fim, de Monte Hellman (com o cantor James Taylor protagonizando). Todos os três têm muitos pontos em comunhão entre si, falam de uma América que se perdeu com o tempo por culpa do próprio Tio Sam. São praticamente complementares em muitos sentidos e, por isso mesmo, marcaram época nos anos 1970. 

De triste mesmo somente saber que a indústria cinematográfica norte-americana preferiu deixar de lado o simples para explorar o universo espetacular em excesso (e pior: chamar toda essa neurastenia tecnológica de sofisticação. Pelo amor de Deus!). 

P.S (há tempos eu não sentia vontade de escrever um): será que ainda dá para sonhar, a esta altura da carreira, que a lenda Spielberg volte a esse universo modesto, porém bem feito e cheio de ironias bem calculadas? Eu, como cinéfilo raiz que sou, prefiro continuar acreditando que sim. Sonhar ainda é de graça, não é mesmo?


1 comentário:

  1. Também adoro esse filme; perdi a conta de quantas vezes ''revi'' essa obra prima; e na minha opinião, o motorista pula da cabine antes do caminhão cair no penhasco...a porta fica aberta !!!

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