segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Terapia de choque


Desde moleque - mais precisamente, meus sete, oito anos - sou fascinado por tudo o que verse sobre viagens no tempo. Cheguei a ler, na adolescência, o romance A máquina do tempo, de H.G. Wells, umas quatro ou cinco vezes, sempre procurando por informações novas que eu não tivesse encontrado na leitura anterior. E sempre encontrava um elemento novo que aguçava ainda mais a minha eterna curiosidade. O tempo passou, eu me tornei cinéfilo e obcecado com o gênero ficção-científica, que volta e meia dá as caras aqui no meu aparelho de DVD (eu sei... Estamos na era do streaming, mas eu ainda não larguei a mídia física de todo). 

E o mais importante: quanto mais pareça nonsense ou estapafúrdio o tema da ficção, mais interessado eu fico. Na verdade, eu até rezo para que o roteirista complique, dificulte ainda mais a minha experiência, pois é justamente isso que torna a narrativa palatável ao meu gosto particular. 

Dito isto, é com enorme prazer que eu recomendo aos loucos de plantão (como eu) o interessantíssimo podcast Paciente 63, do chileno Julio Rojas e com produção de Rodrigo Vizeu, disponível no site Spotify desde o mês passado. Fiquei sabendo da proposta através do canal Curta! na tv a cabo e fiquei em êxtase após ouvir o último dos dez episódios.   

A trama se passa em 2022 e trata de uma série de sessões de terapia envolvendo a doutora Elisa (voz de Mel Lisboa, que ficou famosa aqui no brasil pela série Presença de Anita) e o paciente que dá título à serie (voz do cantor e ator Seu Jorge, que recentemente interpretou o guerrilheiro Marighella no filme homônimo de Wagner Moura), que foi encontrado desacordado e sem roupas na rua e alega ter vindo do futuro, mais especificamente quatro décadas à frente. 

O paciente, que se apresenta como Pedro, diz à doutora que procura pelo paciente zero, agente responsável pelo início da grande pandemia. A princípio ela até diz ao homem "você chegou atrasado", mas ele a interrompe, exclamando que a verdadeira pandemia que dizimará a sociedade mundial sequer começou. Daí em diante o que nós, ouvintes, iremos vivenciar é uma narrativa sórdida que se propõe a desconstruir o mundo no qual estamos vivendo e no qual ainda iremos viver (se não fizermos mais nenhuma cagada pelo meio do caminho). 

Entre as inspirações de Rojas para criar a história estão um antigo paciente que ele atendia na época em que trabalhava como dentista até a Teoria de múltiplos mundos, de Hugh Everett. Eu, logo de cara, me peguei pensando, enquanto ouvia o relato de Pedro, em duas produções cinematográficas americanas que mexeram muito comigo na época em que as assisti pela primeira vez: Os doze macacos, de Terry Gilliam - e há muito de James Cole (personagem de Bruce Wiliis) na maneira como o personagem principal foi construído - e Efeito borboleta, da dupla Eric Bress e J. Mackye Gruber, com o ator Ashton Kutcher na pele do jovem que viaja por realidades múltiplas. 

Mas cabe aqui também um aparte: não duvido nada que muita gente passe a ler Stephen Hawking, Carl Sagan e Arthur C. Clarke enquanto se delicia com os episódios cheios de malícia e informações interligadas.

Paciente 63 é um grande exemplo de terapia de choque e esmiuça de forma brilhante a relação médico-paciente levando-a à um patamar ainda mais gigantesco. E não somente isso. Cai como uma luva na mentalidade maratonista dos fãs de séries da Netflix, Amazon, HBOmax e outros serviços de streaming porque se debruça sobre um tema que é pertinente ao mundo no qual estamos vivendo nesse conturbado século XXI: a eterna indefinição da sociedade - e do próprio mundo - sobre o que esperar do futuro, em meio a tantas catarses, conflitos e conspirações. 

Termino de assistir a toda série em dois dias e me pergunto se haverá uma segunda temporada (acredito que muita gente se perguntará o mesmo). Caso haja, não vejo a hora de ouvi-la também, pois trata-se de um projeto bem cuidado, estiloso e repleto de curiosidade. 

Eu, que não sou um fã notório de podcasts (na verdade, é raro eu ouvi-los e na maioria das vezes é sempre sobre críticas de cinema), confesso: pretendo dar mais atenção ao formato daqui pra frente, agora que eu sei que tem gente desse calibre produzindo por aqui. 

E como não quero estragar a festa de ninguém nem entregar spoilers por descuido, só me resta dizer: quer saber mais do que isso? Só indo no spotify, então...


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