Como iniciar um texto desses, que já nasce triste no primeiro apertar da tecla do computador?
É fácil perceber - para mim, pelo menos, sempre foi - quando estamos diante de um artista excepcional, que foge do comum e cria uma identidade própria, que se confunde com os veículos para os quais trabalhou. São raros os que conseguem essa façanha e os que conseguem atingem ao Olimpo dos gigantes. E muito por conta disso continuamos acompanhando sua obra. Quando esses seres especiais partem o sentimento de vazio puro e simples não explica de forma exata o que significou a presença deles no planeta terra.
Em outras palavras: eu me sinto completamente vazio quando um exemplar raro desses nos deixa.
É com enorme pesar que, entre a noite de ontem e a manhã de hoje, fico sabendo da notícia de que dois desses seres excepcionais nos deixaram. O Brasil e a dramaturgia nacional perdem os atores Paulo José e Tarcísio Meira. E a primeira reflexão que faço ao saber da notícia é: o melhor da nossa cultura está morrendo nesse maldito 2021!
Paulo sempre será, para mim e para a geração a qual pertenço, o eterno Shazan, parceiro de Xerife (vivido pelo já também falecido Flávio Migliaccio), o programa que fez milhares de crianças sentarem em frente à tv. Já Tarcísio sempre terá de carregar, por onde quer que vá, a figura austera e heroica de João Coragem, provavelmente o personagem mais falado da história da teledramaturgia brasileira desde que eu ouvi falar sobre tv a primeira vez. Contudo, iludem-se aqueles que acreditam que ambos se tornaram reféns desses personagens marcantes.
Enquanto Tarcísio fez história na televisão com personagens grandiosos como O Capitão Rodrigo de O tempo e o vento e Renato Villar de Roda de fogo (e esta é certamente a primeira lembrança nítida que eu tenho do ator), Paulo fez de sua persona um sinônimo de nossa sétima arte, seja como Cassy Jones, Macunaíma, Policarpo Quaresma, o narrador engraçadíssimo de Como fazer um filme de amor (só a voz dele já valia um filme) e até mesmo no fim da carreira como o velho palhaço no filme homônimo do ator e diretor Selton Mello.
Fora da telas é difícil imaginar Tarcísio sem lembrar de sua esposa, Glória Menezes. Afinal de contas, foram mais de seis décadas de um matrimônio que muitos dizem não haver igual nem dentro muito menos fora da ficção. Já Paulo conviveu ao longo de boa parte da vida com o Parkinson e mesmo com todas as limitações provenientes da doença levantou a poeira, deu a volta por cima e nos entregou interpretações memoráveis e únicas.
Ambos viveram mais de oito décadas produtivas, encarnando a alma e a memória cultural deste país que, infelizmente, não dá a mínima para a própria história, o próprio idioma, a própria cultura. E por isso mesmo são insuperáveis em seus respectivos ofícios. Perdemos um para a pneumonia e o outro para a covid, que ainda habita entre nós embora muitos prefiram negar o fato ou viver de festa em festa. Por isso só me resta, enfim, lastimar.
Não é todo dia que perdemos dois gênios de uma vez só e essa é a primeira vez que eu escrevo um obituário duplo, pois acredito que eles precisavam estar juntos no mesmo texto, tendo em vista que foram tão iguais em talento. E acredito piamente que muitos que lerem este humilde artigo concordarão comigo.
Ao fim, o que fica para nós, fãs apaixonados, é a história, o legado e a certeza de que sempre poderemos revê-los na telinha ou na telona em reprises inesquecíveis. E por tudo o que fizeram nas telas deixo aqui meu muito obrigado. Por tudo. "Vocês eram foda!".
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