Embora eu não seja um fã apaixonado pelos contos de fadas (pelo contrário!), é de notório conhecimento que o gênero é um grande agregador de admiradores os mais diversos ao redor do mundo. E uma grande responsável por toda essa paixão se concretizar são os estúdios Disney. Mesmo em tempos de Pixar, 3D e outras tecnologias, os mais velhos não se esquecem da época em que fábulas como Branca de neve e os sete anões e Bambi faziam lágrimas saírem dos olhos deles quando eram crianças.
São muitos os autores que tornaram o gênero popular nos quatro cantos do planeta terra. Os irmãos Grimm, Charles Perrault, Hans Christian Andersen e Esopo certamente fazem parte da alta cúpula deste segmento. Contudo, precisamos admitir também que os contos de fadas precisaram se diversificar e abrir sua mente para novas ideias, abordagens e conceitos. Quem não se lembra do polêmico livro Contos de fadas politicamente corretos, de James Finn Garner, que tanta dor de cabeça trouxe aos mais moralistas quando foi lançado por aqui?
Imagine então pegar uma personagem que originalmente foi vendida desde o início como uma vilã e transformá-la, a partir de um remake, numa quase anti-heroína... Pois bem: foi exatamente essa a sensação que eu tive ao final da sessão de Cruella, novo filme do diretor Craig Gillespie (responsável pelo também ótimo Eu, Tonya).
Cruella nos traz a história de origem da clássica "vilã" Cruella de Ville. Acompanhamos a ainda criança Estella (vivida pela atriz-mirim Tipper Seifert-Cleveland e por Emma Stone - por sinal, radiante do início ao fim - na fase adulta) pela infância difícil, o bullying na escola, o grande fantasma da diferença que pairava sobre ela já naquele tempo. Quando a mulher que a criou morre numa tragédia envolvendo dálmatas, o mundo daquela pobre menina rui. E não fossem os dois garotos e, posteriormente amigos inseparáveis, que conheceu naquele tempo, Jasper (Joel Fry) e Horace (Paul Walter Hauser), ela certamente não teria chegado à adolescência.
Pois ela chega e com ela o desejo de Estella se tornar estilista. Seu maior sonho: trabalhar para a Baronesa (Emma Thompson, espetacular!). Entretanto, uma reviravolta nos fatos a fará descobrir sua história verdadeira e com isso ela precisa tirar a patroa, rainha da moda em seu país, da jogada. Mais do que isso: ela quer ser a nova sensação do mundo fashion. E, com certeza, possui o talento e a vontade necessárias para isso.
Destaque imprescindível: adorei o trabalho que o diretor realizou em cima da indústria da moda e dos desfiles psicodélicos e exagerados. De vez em quando eu fuço nos sites de vídeos e me deparo com desfiles criados por grandes estilistas do momento e fico impressionado, em certas ocasiões, com o nível de paranoia e surrealismo que envolve esse setor. Há, inclusive, desfiles que quase beiram o irreal. Acreditem: para aqueles espectadores que tenham a intenção de chamar esse aspecto do longa de "isso é história de filme; na vida real não é bem assim", refaçam seus julgamentos. Há muita loucura e exagero nesse mercado, sim!
Entre o duelo de forças entre Estella (agora, Cruella) e Baronesa, acredito mesmo que o maior legado do filme foi ter criado meio que um conto de fadas às avessas. Digo isso porque sabemos de antemão - e quem não sabe, veja 101 dálmatas o quanto antes - o que Cruella se tornará com o passar dos anos. E ela não se encaixa na figura de princesa que a Disney sempre gostou de vender. Você pode até considerá-la um gênio incompreendido; já uma mocinha frágil, desprotegida, que espera ansiosamente o beijo do príncipe, jamais.
E não fiquem putos, ó amantes do maniqueísmo! Isso é justamente o que o longa de Gillespie tem de mais interessante a nos entregar.
Termino de ver a película e me deparo com vários canais sobre cinema na internet chamando essa versão de Cruella de "o melhor live action da Disney dos últimos anos". Quer saber? Eles (ou elas) não estão muito errados, não! Depois de me decepcionar com Alladin sem a eterna voz do Robin Williams, Dumbo e o mais recente Mulan, foi extremamente gratificante me deparar com uma produção tão bem cuidada e estilosa. Ficam, aliás, aqui meus mais entusiasmados cumprimentos a dupla Jenny Beavan e Tom Davies - que fez os figurinos maravilhosos -, à Fiona Crombie, responsável pelo design de produção bem como a toda a equipe que criou a direção de arte esplendorosa.
Cruella não é um estudo de caso sobre a origem da maldade de um ser humano, mas realiza uma interessante reflexão sobre mudança de paradigmas e nos mostra que mesmo as pessoas geniais que tanto idolatramos tem uma história de vida a qual não necessariamente nós, seus fãs mais ardorosos, iremos nos orgulhar. E isso também precisa ser mostrado de vez em quando, e não somente heróis e vilões trocando socos e pontapés.
P.S: eu confesso que tinha bronca da atriz Emma Stone. Acreditava que ela seria apenas mais uma invenção de hollywood. Mas aqui, para minha total surpresa e júbilo, ela queimou a minha língua. Mesmo.
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