Por ter nascido do sexo masculino nunca entenderei de fato o que significa ser mulher num mundo tão machista como o nosso. E não adianta eu defender aqui a ideia de que fui criado por mulheres extremamente bem resolvidas, que me ensinaram que lugar de mulher não é só na cozinha e que elas não são uma categoria ou uma caixa a qual você mantém guardada 24 horas por dia e só abre quando lhe interessa. Não, não é a mesma coisa. Ter nascido mulher - acreditem! - é outro departamento. E por demais complexo para conseguir explicá-lo em poucas palavras.
Dito isto, é engrandecedor ver todo esse movimento do empoderamento feminino e as mulheres dessa nova geração brigando por seus direitos e espaços. Se minha mãe e minha avó ainda estivessem vivas certamente estariam orgulhosas de ver toda essa revolução, essa luta diária. Mesmo que o machismo articulado e o feminicídio em massa dos últimos anos faça parecer a priori que a luta esteja um tanto quanto perdida. Não está.
Leio na internet a notícia de que Thelma & Louise, longa hoje cult do diretor Ridley Scott, está completando três décadas de existência e no momento em que leio a matéria o meu cérebro relembra de todo o filme, de toda a experiência e do dia exato em que fui ao cinema para vê-lo. E ele continua mais atual do que nunca!
Thelma (Geena Davis) e Louise (Susan Sarandon) chegaram naquele ponto da vida em que você se pega dizendo para si mesmo "já deu!" e precisam urgentemente de um novo caminho. Principalmente Thelma, que não bastasse a rotina insuportável e as agruras da vida familiar, ainda tem de aturar um marido autoritário que acredita piamente que ela deve seguir as diretrizes do que ele acredita ser o mais correto ou sensato. Incentivada pela amiga transgressora elas saem juntas numa aventura e tudo parece seguir o plano que elas imaginaram. Entretanto, numa parada num bar de beira de estrada uma fatalidade acontece e elas se tornam, do dia para a noite, fugitivas da justiça.
É nesse momento que entra em cena o agente Hal (Harvey Keitel), responsável por caçá-las e prendê-las. Mais do que isso, ele representa o eterno senso de moralidade que a sociedade vive imputando em nós dia a dia. Não há de fato um interesse legítimo dele em averiguar a história real por trás da tragédia que as acometeu. Ele precisa, isso sim, prender as duas assassinas. É assim que a a sociedade, a mídia, o sistema em geral as enxerga agora. Qualquer outra informação ou versão dos fatos é meramente coadjuvante.
Apenas dois homens são capazes realmente de entender Thelma e Louise. J.D. (Brad Pitt, em início de carreira), o perfeito amante que Thelma precisa para encarar aquela "nova realidade" e o exato oposto do seu marido mandão, e por isso mesmo descartável e Jimmy (Michael Madsen), um homem do passado de Louise que nunca entendeu totalmente as escolhas dela nem porque ambos não ficaram juntos lá atrás, mas a respeita bem como suas decisões. No mais, todos veem a dupla como o problema e não a solução. Logo, elas fogem.
Contudo, mais importante do que a fuga em si e as desventuras pelas quais elas passam, é o fato de que precisamos entender que ambas são, no fundo, outsiders. Não pertencem a nenhum grupo pré-determinado desta sociedade que só sabe rotular as pessoas e ainda por cima cansaram de jogar segundo as regras incômodas da boa conduta. Para elas, todo esse discurso moral e castrador, a cabeça baixa, o "sim, senhor e não, senhor" diários não atendem em nenhum nível a necessidade de serem livres, donas de seus próprios narizes. E por conta desse choque de valores elas são transformadas em exemplo, para que futuras mulheres não tenham a mesma ideia que elas e se rebelem.
Você pode até me dizer ao final da película que Ridley Scott não teve de fato esse pensamento, que ele não criou a dupla visando essa postura, mas quando acompanhamos o jeito com que ele narra a história, como esmiuça o texto de Callie Khouri (vencedora do Oscar de melhor roteiro original pelo longa) e permite a Geena e Susan que falem abertamente, sem rodeios, cansadas de serem apenas a esposa, a companheira, a amante, putz!, é inegável que havia ali toda uma abordagem feminista e, não somente isso, precursora de uma era. Que me critiquem os moralistas, se quiserem, mas vejo Thelma & Louise, sim, como um grande libelo pela emancipação feminina. E realizado de forma elegante, sem caricaturas ou clichês óbvios.
Impossível não se deparar com filmes recentes como Bela Vingança, Adoráveis mulheres e As sufragistas e não levar em consideração a importância do discurso dessas duas mulheres perseguidas, que não tiveram o menor direito de se defender ou mesmo explicar suas razões. E tudo isso por simplesmente pertencerem ao tal "sexo frágil", expressão execrável criada com o único intuito de determinar quem pode o que, quando, onde e como na atual sociedade.
No final das contas o filme de Ridley Scott é mais um a entrar para uma lista de obras cinematográficas indispensáveis, que não envelheceram com o tempo e precisam ser vistas (pelas novas gerações) e revistas (pelas que já a assistiram pelo menos uma vez) sempre que possível. Pois como todos sabemos, ou deveríamos saber, o preconceito ao tema mulher continua por aí. E pior: lutando contra de maneira cada vez mais brutal e covarde. Logo, desistir nunca foi uma opção para elas.
E diferentemente dos outros homens, eu acredito que essa covardia também deveria ser um assunto nosso... Do contrário, nada muda. Nunca.
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