Não é de hoje que a sociedade procura pela ajuda de salvadores da pátria ou de oráculos e suas insólitas previsões acerca do futuro. Os de Delfos e Tebas se tornaram famosos no passado por reunirem milhares de pessoas à procura de dias melhores ou soluções futuras para seus problemas imediatos. E acreditem: às vezes eu tenho a impressão de que a humanidade tem mais interesse por aquilo que ainda vai acontecer do que por aquilo que está acontecendo neste exato momento. Que o diga o Brasil no qual estamos vivendo atualmente, cheio de negadores e criadores de teorias da conspiração as mais diversas!
Contudo, é preciso fazer um grande aparte para incluir na discussão um tema que não era tão premente em outras épocas históricas. Falo da tecnologia e do "mundo de facilidades" que ela supostamente criou. Talvez muitos leitores deste texto me acusem de covarde ou presunçoso, mas uma verdade é nítida: nunca vendemos tanto gato por lebre na atual sociedade, sob a desculpa de que "este ou aquele seria o caminho mais fácil para atingirmos nossos objetivos mais urgentes". Inclua nesse pacote a famigerada literatura de auto-ajuda e seus manuais de regras fajutos e a cegueira muitas vezes proposta pela cultura nerd (e digo cegueira quando ela só está interessada em que olhemos para um único caminho ou vejamos apenas uma única possibilidade de escolha) e bum! está criado um conflito. Na verdade, está instaurada a bíblia do caos pós-moderna.
Precisei de dois parágrafos para introduzir o espinhoso tema, mas ainda assim faltou acrescentar uma informação importantíssima: sempre desconfiei de tudo, absolutamente tudo, que ganha ares de fenômeno da mídia com muita facilidade. Para mim, nada que explode ou ganha fama com muita rapidez é realmente necessário para nossa subsistência. Só serve mesmo para aumentar ainda mais a já descartável por natureza indústria da vaidade, que rege nossos passos, nossos caminhos e, se deixarmos, até mesmo a nossa fé. E eis então que me deparo com o Tik Tok, a rede social do momento, onde podemos postar vídeos sobre tudo. Tudo mesmo.
Para quem acreditava que facebook, twitter, instagram, tumblr e outras redes já eram suficientes para aplacar o desejo de "eu quero ser mais, muito mais, agora" da coletividade humana, acreditem nisto então: a situação pode piorar. E muito. Andy Wahrol dizia que no futuro "todos teriam os seus 15 minutos de fama". Ele só não disse que fama seria tão efêmera e inútil na maior parte do tempo.
Entro no site e logo de cara entendo o porquê de tanto alarde e tanta mídia falando dele. É vazio, artificial, cheio de pequenas manias e delicadezas que são a cara dessa nossa sociedade sem referências. Em poucas palavras: um grande totem onde a idolatria é mais importante do que o conteúdo em questão. E são vários os exemplos que ilustram o quão desnecessário é realmente o site: piadinhas inúteis por onde quer que se olhe, anônimos e suas dancinhas sem noção que grudam na mente de qualquer um com a maior facilidade (e acreditem: de dancinha sem finalidade alguma o brasileiro médio entende como poucos!), bichinhos fofinhos - e não me refiro somente à cães e gatos - prontos para arrancar um ahnnn... do espectador mais apaixonado por animais e frases de efeito do tipo "não romantizem a pobreza" ou "chega de mimimi" são o máximo que você encontrará de narrativa por aqui, tendo em vista o nível intelectual de quem produz tais vídeos em sua grande maioria.
Para completar o cenário vazio, mas não menos melancólico, a terrível fauna dos adoradores de políticos, receitas gastronômicas sobre praticamente tudo, famosos, famosos e mais famosos. Atualmente quem tem ganhado muito destaque por aqui é a Juliette, vencedora da última edição do BBB, mas procurem! Vocês certamente irão encontrar muito "famoso quem" dando sopa pelas páginas do Tik Tok. Até porque essa rede social foi criada justamente com essa intenção. E, claro, faturar em cima de anunciantes os mais diversos.
O maior legado produzido por esta "invenção" certamente foi a certeza de que caminhamos para um futuro negro e niilista, no que diz respeito à evolução da humanidade. Lembro-me de uma declaração anos atrás proferida pelo cantor Guilherme Arantes num talk show em que condenava a postura da sociedade mundial que só pensava em festas e comemorações, sem o menor comprometimento com a realidade. Pois bem: vejo o Tik Tok e o que porventura possa aparecer depois dele como um grande glamurizador dessa realidade.
Uma matéria do jornal El País fala abertamente sobre os contra-apocalípticos, uma geração atual que não quer saber de ouvir sobre catástrofes, prefere permanecer na zona de conforto oferecida por seus casulos festivos e evasivos. É triste, eu sei... Mas atual. Muito atual. E tenho certeza que muitos desses possuem conta no Tik Tok, postam regularmente suas bobagens. Memes, aplicativos que envelhecem, que transformam pessoas em animações... Tudo está lá, com a maior facilidade. Difícil mesmo é saber se algum deles consegue falar corretamente o próprio idioma. "Mas aí também", alguns irão me dizer, "já é querer demais".
E diante de uma declaração dessas decido sair da página o quanto antes. Definitivamente não é a minha praia. Mais: não é o meu mundo.
Quem quiser saber mais, só entrando. Só não prometo aos lúcidos que não irão ficar viciados nisso! Porque sim, é viciante. Tenho um vizinho, inclusive, que chama as redes sociais em geral de "a cocaína do século XXI". E eu confesso a vocês que em muitos sentidos ele parece estar coberto de razão. O que é terrível.
No final da contas, fiquei com uma certeza: Second Life e The Sims perto disso aqui é brincadeira de criança. Sério.
Que maravilhosa resenha do tik tok - parabéns pela lucidez! compartilhando uma certa desesperança(acho que esta palavra existe) num mundo onde artigos acadêmicos adotam o todes.. nem sei mais o que é falar sua lingua corretamente.
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