domingo, 28 de fevereiro de 2021

Siga a linha e não olhe para trás


Nunca entendi - e, honestamente, morrerei sem entender - o fascínio de parte da humanidade pela guerra. Ela não produz absolutamente nenhum legado útil para a nossa própria subsistência e não bastasse isso ainda por cima se esconde atrás da fachada hipócrita de "única solução viável para resolvermos problemas de difícil solução". Ou seja: não passa de uma demagogia fabricada por setores cínicos de nossa sociedade que se locupletam da miséria alheia enquanto faturam os tubos com a indústria bélica.

E o pior: tem quem admire essa faceta social, bata palmas, exalte a necessidade dela existir simplesmente porque não consegue viver numa pátria onde existam pessoas que pensem diferente do que elas acreditam. 

Me peguei pensando nisso enquanto assistia o drama Relatos do mundo, do diretor Paul Greengrass - famoso aqui no Brasil pelos longas que fez da franquia Jason Bourne e o ótimo Voo United 93, que tem como pano de fundo a tragédia do 11 de setembro - e cheguei à conclusão de que a guerra, como a conhecemos, nunca acabará. Ela apenas muda sua abordagem e seus personagens sórdidos. 

O filme de Greengrass traz o Capitão da reserva Jefferson Kidd (Tom Hanks, interpretando um personagem o qual jamais imaginei que ele pudesse fazer ao longo da carreira), um homem repleto de cicatrizes, que viveu o pior do conflito bélico de forma brutal e dilacerante. Tipógrafo antes da guerra, ele agora vive viajando de cidade em cidade onde lê para seus habitantes recortes de jornal com notícias sobre há quantas anda o mundo. Em outras palavras: para muitos cidadãos ele é o último resquício de esperança ou o último, digamos, bote salva-vidas em meio a um mundo destroçado por escolhas infelizes. 

E aqui cabe uma observação minha: nesse sentido seu personagem me fez lembrar o carteiro vivido por Kevin Costner no filme O mensageiro, de 1997. E a população esperava, tanto as correspondências quanto a chegada do capitão com as histórias que rodeavam o mundo, com gigantesca ansiedade. Tanto que multidões se reuniam para recebê-los. 

Entretanto, sua jornada será impactada de forma severa quando seu caminho cruza com o da jovem Johanna (Helena Zengel), uma garota que foi sequestrada por uma tribo indígena e teve toda sua história de vida apagada por quem a sequestrou. Como seus pais biológicos encontram-se mortos, o capitão precisa levá-la à cidade onde moram seus tios. Só que para isso terá que reviver velhos demônios dos tempos de guerra e aprender a se comunicar com a menina, que praticamente se transformou numa selvagem. 

Mas é preciso, de minha parte, enaltecer um aspecto que me parece mais interessante do que o próprio roteiro do filme: falo das entrelinhas presentes nas discussões, nos duelos e monólogos presentes na trama. É praticamente uma aula de história não oficial dos EUA (refiro-me àquela parte da história que não iremos encontrar nos livros escolares, não importa o quanto procuremos). 

Tudo está presente aqui, se você tiver mente aberta para apreender os sinais: a eterna postura imperialista dos homens brancos, que se acham mais donos de qualquer tipo de direito do que mexicanos, índios e negros; a eterna divergência entre os estados do norte e do sul norte-americano e o legítimo sentimento de que a guerra não passa de um negócio da china para favorecer as velhas elites de sempre e transformar seres humanos em zumbis sociais, que não fazem a menor ideia de como (e por que) devem seguir em frente, quando tudo parece não ter mais o menor sentido. 

Ao final da jornada o diretor até encontra um meio termo para agradar aos espectadores que ansiosamente esperam por um final minimamente feliz, mas acreditem: é praticamente impossível acreditar em felicidade num cenário tão desolador e que parece prometer que dias ruins continuarão existindo ainda por um bom tempo. 

Talvez minha única ressalva em todo o projeto tenha sido a escolha de Hanks como o protagonista. Confesso que gostaria de ver um ator com mais vocação para interpretar um homem dúbio ou, quem sabe, alguém a um passo de se tornar um mau caráter por ter perdido tudo o que mais amava. Peguei-me pensando o que um artista como Gary Oldman ou John Malkovich teria feito com o mesmo personagem. E, além disso, Tom sempre me vendeu a imagem do bom pai de família. Mas entendo sua presença aqui, pois do contrário a adaptação do livro de Paulette Jiles dificilmente tivesse conseguido financiamento. 

Críticas à parte (e são vários os comentários negativos sobre o filme na internet), é preciso paciência para assistir Relatos do mundo. Trata-se de um filme arrastado, no qual o espectador precisa montar um quebra-cabeça complexo sobre a história de um país que não necessariamente é aquilo que vende para o mundo. Em determinado momento o capitão diz para a jovem Johanna: "siga a linha e não olhe para trás". E essa é a melhor reflexão que você pode fazer sobre essa história. É como se ele nos dissesse que, no final das contas, nunca vale a pena viver no passado eternamente. 

Porém, difícil mesmo é fazer a própria humanidade entender isso...      

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