domingo, 21 de fevereiro de 2021

O terror que foi redescoberto


Tem muita gente que não concorda comigo quando eu digo isso, mas vou repetir mais uma vez: nada é mais natural no mundo dos filmes de terror que viram clássicos ou cults do que produções que foram um fracasso retumbante de bilheteria e crítica arrebanharem gerações de fãs alucinados posteriormente. Perguntem a qualquer fã do gênero para vocês verem só! E a lista é imensa. Dentre esses hoje épicos que foram redescobertos com o passar do tempo e, claro, a ajuda do home video e das exibições em tv, O enigma de outro mundo, de John Carpenter, lançado em 1982, é um caso à parte. E ele tinha tudo para ser um fenômeno de bilheteria. 

Digo isso porque antes de Carpenter realizar o longa ele se notabilizou por produções independentes que levaram o público ao delírio (falo mais especificamente de Halloween e Fuga de nova york, com Kurt Russell, um clássico eterno dos meus tempos de Sessão das Dez, no SBT). Logo, O enigma de outro mundo foi seu primeiro filme de estúdio. Pensarão então os mais fanáticos: "agora é que ele vai detonar mesmo!". Pois é... Não foi bem isso o que aconteceu. 

A trama acontece dentro de uma estação de pesquisa na Antártida cujos cientistas veem a chegada de um cachorro que foge de um helicóptero que está tentando matá-lo. Os integrantes da aeronave não conseguem abater o animal e ele é levado para dentro da instalação. Passados alguns dias começam a acontecer uma série de situações inusitadas e perturbadoras. Motivo: dentro do cão há uma criatura alienígena capaz de copiar as células de qualquer espécie, inclusive seres humanos. E ela, a criatura, começa a eliminar um por um os cientistas e assumir sua forma. 

Bizarro, eu sei. Digo mais: para fãs do terror gore ou do giallo italiano a película é um deleite à parte. Cheia de efeitos práticos e um trabalho de maquiagem visto por muitos como visionário até hoje. Então por que tamanho desinteresse pelo filme na época? Primeiramente: a culpa dos distribuidores, que decidiram lançá-lo na mesma época de E.T - o extraterrestre, de Steven Spielberg e Blade Runner - o caçador de androides, de Ridley Scott, no auge de suas nostalgias e exuberâncias tecnológicas. Sim, isso foi definitivamente um tiro no pé. 

Contudo, há quem diga na época que o fato do longa trazer como discussão em suas entrelinhas o status quo dos EUA pós-vietnã (uma guerra cujo povo americano nunca aceitou a derrota) contribuiu e muito para o insucesso do projeto. Mais que simplesmente uma história sobre o convívio entre pessoas retidas em isolamento, o filme de Carpenter também fala da incapacidade humana diante de um adversário praticamente imbatível. Assunto ao qual os norte-americanos normalmente preferem evitar, pois gostam de se ver na tela na pele de heróis indestrutíveis.  

O diretor não deixou de beber na fonte do clássico O monstro do ártico, dirigido por Howard Hawks em 1951, que adapta o conto original publicado por John W. Campbell Jr. E eu recomendo aqui aos leitores dessa crítica que vejam a versão dos anos 50, pois eu tive a impressão de que me ajudou, em muitos sentidos, a enxergar a trama de forma mais abrangente. Sem contar que é um clássico em preto-e-branco de carteirinha! 

O projeto tem, entre seus feitos, a façanha de - acreditem! - dar ao mestre das trilhas sonoras Ennio Morricone uma indicação ao Framboesa de Ouro. Não, meus amigos. É isso mesmo que vocês leram... O gênio por trás da música de Era uma vez no Oeste e A missão foi nomeado à honraria de pior música do cinema por este, hoje, clássico pop. Contudo, eu prefiro acreditar que mesmo essa notícia acabou por contribuir para o charme da produção com o passar das décadas. Tem quem ache isso até estiloso. 

E quase me esquecia de mencionar as inúmeras teorias criadas sobre o longa com o passar dos anos (procurem vídeos no you tube sobre o tema) acerca de McCready - personagem de Kurt Russell - ser a criatura no final do filme. Acreditem: dá muito pano pra manga e debate até dizer chega.  

Em 2011 o diretor Matthijs van Heijningen Jr realizou a prequel A coisa e trouxe de volta o universo do longa de Carpenter, desta vez narrando os fatos que antecederam o longa de 1982. Contudo, ele não acrescentou em nada ao fenômeno no qual o filme se tornou. Teve até quem achasse a produção desnecessária, chamando-a de "puro caça-níqueis em tempos de falta de criatividade". 

De concreto mesmo apenas que O enigma de outro mundo foi de lixo descartável (chegando a receber críticas até difamatórias) à fenômeno pop incontestável. E figura hoje em dia, mais do que nunca, em centenas de listas de "filmes de terror que você não pode deixar de assistir antes de morrer". E isso, você, fã de terror como eu, sabe que não é pouca coisa. 

P.S: eu nunca deixei de acreditar que em Alien 3, de David Fincher, a cena em que a criatura alienígena entra pelo corpo do cachorro na colônia penal, é uma homenagem direta ao filme de Carpenter. Que me corrijam aqueles que tiverem uma opinião melhor ou mais lúcida do que a minha! 


2 comentários:

  1. na verdade e uma vaca e nao um cachorro em ALien 3. VErsao estendida explica o motivo

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  2. Vi este filme nos Cinemas. A cena do canil é de causar dó aos cãezinhos siberianos. Sou devoto de Ennio Morricone, e foi mais um motivo pra gostar deste filme. Kurt Russell conheço desde nenino.

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