Você não faz a menor ideia do que o tempo - ou a vida - é capaz de fazer com os nossos sonhos. Não importa o quanto você tenha a sua vida planejada, o quanto tenha se preparado para realizar aquilo que tanto sonhou, a vida aparece e ela tem seus próprios planos, seu próprio ritmo. Em 1984 Virginie Boutaud, vocalista da banda nacional new wave Metrô, estava certa ao cantar que "no balanço das horas tudo pode mudar". Sim. Nisso ela acertou em cheio. E esse balanço acontece quando você menos espera. Que o diga a vida de Ruben (Riz Ahmed).
Ele é baterista de uma banda que ainda busca a trilha do sucesso e sabe que o trabalho é duro. São horas e horas de dedicação e muito ensaio para subir ao palco e dar o seu melhor. Até que percebe, durante um desses ensaios. que perdeu sua audição completamente. E para ele isso é um baque difícil de engolir. Sua primeira reação ao ocorrido é o óbvio "meu mundo acabou".
A única que o ampara nesse momento é a namorada, Lou (Olivia Cooke), que o leva para conhecer uma instituição de amparo à pessoas surdas. Ruben, reticente à primeira vista, decide aceitar o desafio muito por insistência dela. E a rotina desse novo mundo é para poucos: aprender uma nova língua, aprender a lidar com suas próprias limitações e, enfim, aprender a ouvir de uma outra forma.
O problema: ele acredita que tudo aquilo não passa de uma perda de tempo quando descobre que é possível fazer uma cirurgia que coloque um implante em seu cérebro, trazendo de volta a possibilidade de audição. E é nesse milagre que ele embarca com unhas e dentes, porém esquece que sua relação com o novo mundo que acabou de conhecer sairá estremecida do processo.
O som do silêncio, filme do diretor Darius Marder, é um longa sobre recomeços e o quanto eles podem ser difíceis e dolorosos, ainda mais sabendo que seres humanos são falhos e imediatistas.
Ruben faz parte de uma geração que simplesmente não aguenta a ansiedade oferecida pelo amanhã. Ele almeja a glória e não consegue imaginar a sua vida sem ela. Mais: ele a almeja no menor tempo possível. Entretanto, não consegue entender que nem sempre o tempo do mundo é o nosso tempo, corrido, arbitrário, feito de improviso em alguns momentos. E o choque entre essas duas realidades pode ser extremamente autodestrutivo para pessoas como ele.
A produção da Amazon, que vem chamando a minha atenção nos últimos anos com bons projetos, já me ganhou desde o início da projeção muito por conta disso, dessa batalha que atravessará todo o século XXI - podem ter certeza! - entre os impacientes e o ciclo da vida. Vivemos uma era de transformações constantes, mas não significa que elas ocorrerão na velocidade que queremos ou desejamos. Longe disso!
Fiquei tentando me lembrar de outros filmes com a presença de personagens surdos e me veio à mente logo de cara o extraordinário Filhos do silêncio, de Randa Haines, com William Hurt na pele do professor e Marlee Matlin, vencedora do Oscar de melhor atriz em 1987, como a extraordinária aluna surda. E se no filme de Randa já era difícil para Marlee conviver com a presença do professor, pois ela simplesmente optou por não falar, no caso de Ruben a situação é ainda mais grave por que ele sempre desdenhou desse mundo, por acreditar que se aceitasse aquela realidade se transformaria num covarde. E ele precisa acreditar que será capaz de retomar sua vida, bem como sua carreira.
Alguns críticos de cinema que andei fuçando na internet veem a possibilidade de Riz beliscar uma vaga entre os indicados ao Oscar desse ano e confesso: seria merecido. O trabalho dele é realmente muito bom e, principalmente, humano. Mas ele, com certeza, terá concorrentes de peso.
E ao final de duas horas de angústia e luta por superação a certeza que fica é a de que recomeçar do zero não é uma batalha simples e corriqueira. Pelo contrário: ela envolve discernimento e força de vontade para entender que as perdas fazem parte da vida. E não é porque as sofremos, de tempos em tempos, que não possamos seguir em frente, tentar de novo, mesmo que o plano original já não nos sirva mais como antes.
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