O tempo e essa eterna mania que temos de rotulá-lo, classificá-lo, retê-lo, dar a ele uma dimensão maior do que a suposta. Queremos mudar o tempo que as coisas - e até mesmo os seres humanos - duram. E não podemos. E isso nos entristece. Vejo nisso uma espécie de "complexo de Deus" que vive perseguindo a humanidade desde Adão e Eva. E nada fazemos para corrigir este aspecto, essa mania, essa eterna mania de querermos ser mais do que realmente podemos.
Esta semana enfim consegui assistir o famigerado Tenet, de Christopher Nolan. O filme escolhido para a reabertura dos cinemas nos EUA pós-pandemia. Infelizmente a Covid-19 insistiu e o longa não conseguiu a projeção que ambicionava, mas deixou em minha mente uma interessante reflexão sobre o tempo e as decisões equivocadas que nós, seres humanos, volta e meia tomamos.
Após um missão mal sucedida para conter um atentado terrorista durante um concerto, um agente é apagado dos quadros funcionais da organização para a qual trabalha e é dado a ele uma nova missão. Contudo, de concreto mesmo, as únicas coisas que esse homem precisa saber são que ele irá evitar uma terceira guerra mundial e que nada do que ele viu até então permanecerá o mesmo. Suas expectativas pessoais e profissionais serão completamente alteradas nesse novo trabalho.
Parece simples, não é mesmo? Pois é... O problema é que o diretor é justamente o Christopher Nolan. Então preparem-se para surpresas e reviravoltas.
Enquanto nos deparamos com uma nova tecnologia capaz de alterar completamente a percepção que temos do tempo, um Oligarca Russo disposto a rebootar o mundo e falsificações de obras de arte, o diretor nos impressiona com extraordinárias cenas de ação (que, honestamente, eu - se fosse vocês - abriria o olho, pois podem ser meras distrações para que não vejamos o real objetivo da história).
Aliás, o próprio protagonista da história (o interessante ator John David Washington, que já havia chamado a minha atenção no ótimo Infiltrado na Klan, dirigido por Spike Lee) não tem um nome para chamar de seu. É identificado junto ao público exatamente desta forma: como o protagonista. E seus únicos reais "aliados" - é, eu sei... até esta palavra precisa estar entre aspas, pois no mundo que eles vivem, todos podem trair todos a qualquer momento - são Kat (Elizabeth Debicki), esposa chantageada do oligarca Sator (vivido por Kenneth Branagh) e Neil (Robert Pattinson), seu contato na nova organização para a qual trabalha.
Contudo, mesmo com todas as tentativas do diretor para mostrar ao público espectador as implicâncias de tais atos inescrupulosos para o futuro da humanidade, fiquei a todo momento pensando no quanto o hoje e o que estamos fazendo de errado com o mundo atualmente é colocado em segundo plano, quando não deveria estar nessa posição.
Vejo nisso, no problema da ganância desenfreada (e esse, para mim, é o real mote do longa-metragem) e a violência gratuita que nos atingiu em cheio nas últimas décadas e que grande parte da humanidade prefere varrer para debaixo do tapete um mal-estar recorrente da nossa civilização. Viramos criaturas melancólicas e repetitivas que adoram adiar os problemas e colocar a culpa no amanhã, no que virá. E ao mesmo tempo não fazemos nada de efetivo para melhorar o hoje. Logo, ele permanece refém das mesmas atrocidades e perigos. E eu me pergunto até quando assim será.
Acredito piamente que Nolan teria sido mais feliz em seu projeto se direcionasse a discussão para os dias de hoje. O futuro não é realmente o problema. Pelo menos não se continuarmos de braços cruzados ad infinitum. Vivemos numa pandemia e tem gente festejando, se aglomerando, enchendo a cara. Não sabemos se estaremos vivos semana que vem e tem gente planejando as próximas cinco, seis décadas. Honestamente: parece-me uma contradição. E nesse quesito o filme tropeça.
Mas não fiquem chateados. Há muito a se admirar em Tenet. O aprumo estético e visual que o consagrou junto aos fãs continua lá. Aproveitem. Entretanto, não consigo deixar de pensar que se trata de um filme menor e por vezes vazio dentro de sua filmografia. E isso aconteceu por um mero deslize. Nolan consegue fazer melhor do que isso.
E antes que me apedrejem nos comentários abaixo, paro por aqui. Quero que vocês, leitores, tirem suas próprias conclusões. Mas um aviso para os iniciados na obra do diretor: não acreditem em tudo que vêem e fiquem atentos a cada take. A qualquer momento sua interpretação sobre a trama pode ser desmentida ou reavaliada.
P.S: lembrei de uma coisa agora, talvez seja viagem minha, mas... Quem assistiu a saga de James Cole em Os 12 macacos, de Terry Gilliam, vai se identificar imediatamente com este filme aqui. Caso não seja o seu caso, peço antecipadamente desculpas. É que às vezes eu devaneio mesmo.
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