Contos de fadas e fábulas sempre me entediaram, desde moleque, por conta de seu formato repetitivo, refém de premissas que eu considerava óbvias, cansativas. E muito por causa disso naquela época - refiro-me aos meus 10, 11, 12 anos - eu escolhi as tirinhas de jornal e os comics. Eles possuíam o nível de sarcasmo e deboche que eu procurava já naquele tempo. O resultado disso: tornei-me um leitor de outsiders, de autores fora do padrão, do corriqueiro.
Contudo, o cinema anos mais tarde me fez acreditar que era possível encontrar artistas que transformassem esse tipo de linguagem monótona (pelo menos para mim) em algo mais palatável aos meus interesses, digamos, excêntricos. E um deles que se mostrou logo de cara foi o diretor Walter Hill. Quando assisti The Warriors - os selvagens da noite numa madrugada fria no início dos anos 1990 eu simplesmente alucinei. Era provocador, reacionário e corajoso em demasia. E eu pensei comigo: esse cara entende do metiê.
Mas eu não vim aqui para falar de The Warriors (crítica que, aliás, estou devendo aos meus leitores) e sim de Ruas de fogo, de 1984. Para mim um conto de fadas para adultos, sem toda a baboseira que acompanhava o gênero desde que o mundo é mundo.
Acompanhamos o sequestro da jovem estrela do rock Ellen Aim (Diane Lane) pelas mãos da gangue de Raven (Willem Dafoe) durante um dos seus concertos e não há como não pensar na princesa sendo capturada por seu algoz, que certamente - se aqui fosse um livro - teria inveja de sua beleza ou do fato dela não amá-lo. E o único capaz de resgatá-la, para uma de suas fãs e irmã do herói, é o rebelde Tom Cady (Michael Paré), ex-namorado de Ellen e também ex-militar. Entretanto, ele não é um príncipe que se encaixe no estereótipo do que estamos acostumados a ver nesse segmento.
Pelo contrário. Tom não leva desaforo pra casa, não se esconde atrás de discursos bonitos e chega a aceitar dinheiro para resgatar a moça. Ousado, eu sei... Mas como eu disse antes: é uma mudança no formato. Trata-se de um fábula contemporânea. Algo, por sinal, que consta logo no início dos créditos ("uma fábula rock n' roll").
Dito isto, esqueçam dragões cuspidores de fogo, casas de doces, espelhos mágicos e toda essa bobajada. O que encontraremos aqui é muito som alto, tiroteiro, pancadaria pra dar e vender, uma ajudante do príncipe meio lésbica e veterana de guerra e um produtor, Billy Fish (o atualmente sumido Rick Moranis), completamente almofadinha e viciado em sucesso.
Querem mais? Então vão ter que ver (ou rever) esse clássico oitentista!
Dois destaques que eu não posso deixar de mencionar do longa: as caracterizações (figurinos e cenários escolhidos) e, claro, a música - sob a alcunha do mestre eterno Ry Cooder. Espera, espera... Um confissão inevitável: ouvir de novo "I can dream about you", de Dan Hartman, depois de tantos anos, é não somente um bálsamo para os ouvidos como já vale por metade do filme.
É verdade que o roteiro, escrito a quatro mãos por Hill e Larry Gross, é bobinho toda vida se levarmos em consideração o que hollywood era capaz de fazer naquela época (que o diga o de Laços de ternura, vencedor do Oscar de melhor filme, diretor e roteiro adaptado naquele ano!). Mas ao mesmo tempo ele não era para ser, de fato, o grande centro das atenções. Em outras palavras: o público daquela época direcionava seus olhares para outras direções, digamos, mais joviais.
Ruas de fogo é, em uma palavra simples, estiloso. Isso é que o ele está interessado em vender e, cá entre nós, fez bem. Tanto que eu estou aqui, 36 anos depois, falando dele ainda. Não, meus caros leitores, embora pareça isso não é pouco!
E pensar que hoje em dia filmes para jovens precisam ter, quase que obrigatoriamente, efeitos especiais de última geração e personagens cheios de superpoderes. Pois é... o cinema americano mudou e nem sempre a palavra mudança é um bom sinal. Mas pelo menos eu posso dizer hoje à minha sobrinha que a minha época valeu (e ainda vale) a pena.
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