quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Me dá um abraço?


Quando eles (ou elas) passam na rua, vivendo suas vidas, pagando suas próprias contas, sem depender de ninguém, há quem deboche. Há quem os diminua pelo simples prazer de fazê-lo. Há quem os chame de aberrações. O mundo está repleto de preconceituosos os mais diversos. E eles, os covardes, vivem da manutenção da desgraça alheia. E ai de quem se posicione contra os acusadores! 

Eles (ou elas), no caso, são os homossexuais. Um grupo social que sobrevive a duras penas, tendo que conflitar diariamente contra pessoas que, muitas vezes, não são exemplo de absolutamente nada. Apenas gostam de se sentir por cima das demais classes sociais. É praticamente um vício comportamental. 

Em tempos de quarentena e isolamento social na cidade maravilhosa me deparo com a possibilidade de assistir online ao espetáculo teatral Alair, do dramaturgo  Gustavo Pinheiro (autor de Relâmpago cifrado e A tropa) e, lógico, vou correndo para o youtube para conferir a montagem.

O texto - escrito em 2017 - nos traz o relato do fim da vida (praticamente uma confissão) do fotógrafo, engenheiro, filósofo e crítico de arte Alair de Oliveira Gomes, conhecido como pioneiro da arte homoerótica no Brasil. 

Vivido no palco pelo ator Edwin Luisi, Alair funde passado e presente e narra seus erros e acertos ao longo da vida. As escolhas infelizes, os romances tórridos, aventuras que não deram certo, flertes rápidos (e também perigosos), etc. Intercala a zona sul carioca com as viagens que realizou pela Europa, traçando assim um perfil coeso do comportamento homossexual masculino. 

Após assistir o espetáculo na íntegra vou ao google procurar por fragmentos de seu trabalho fotográfico. E logo de cara me deparo com um artista que, se vivo (ele faleceu em 1992), incomodaria - e muito! - o Brasil de hoje, cheio de demagogos religiosos e gente que confunde partidarismo político com fanatismo cego. 

Sua obra é provocadora ao extremo e um prato cheio para os conservadores de plantão que adoram rotular tudo o que não entendem de putaria ou alienação. 

Edwin não está sozinho no palco. É acompanhado por dois jovens atores que, na verdade, funcionam mais como corpo do que como narrativa. Ambos estão ali por conta de seus deltoides perfeitos e silhuetas impecáveis. Detalhe: há cena de nudez aberta (portanto, não recomendo para todos os públicos). É preciso ser mente aberta - ou como diz o próprio protagonista, "um libertário" - para realmente acompanhar a proposta cênica do dramaturgo. 

À medida que a apresentação vai se aproximando do fim, e quando estamos mais do que inseridos, assoberbados pela combinação de atuações e exibições de vídeos, chegam os dias amargos: as exposições que foram proibidas pela censura no período militar, o diagnóstico de câncer de próstata... A vida de Alair, como a de muitos que pertencem ao mesmo segmento que ele, não foi fácil. 

Trata-se de uma jornada dolorosa pelo árduo mundo daqueles cujo único desejo é permanecerem diferentes em meio ao discurso ditatorial do pensamento único que rege o país desde sempre. E o resultado final dessa jornada é não somente glorioso como inebriante. Para você que está à procura do verdadeiro teatro e não aguenta mais o acúmulo de comédias, stand ups e musicais que não passam de corruptelas da Broadway, eis aqui um prato cheio. 

P.S: para quem não assistiu o espetáculo ainda, clique aqui: 

https://www.youtube.com/watch?v=o9NRYt2TuZ0&feature=youtu.be&fbclid=IwAR0FRK4xaKQMc6TUnmeG8ABnnZeORrlZDXto1OLwiLanb9_xnyhXE5Uh3fA


Sem comentários:

Enviar um comentário