Quando eles (ou elas) passam na rua, vivendo suas vidas, pagando suas próprias contas, sem depender de ninguém, há quem deboche. Há quem os diminua pelo simples prazer de fazê-lo. Há quem os chame de aberrações. O mundo está repleto de preconceituosos os mais diversos. E eles, os covardes, vivem da manutenção da desgraça alheia. E ai de quem se posicione contra os acusadores!
Eles (ou elas), no caso, são os homossexuais. Um grupo social que sobrevive a duras penas, tendo que conflitar diariamente contra pessoas que, muitas vezes, não são exemplo de absolutamente nada. Apenas gostam de se sentir por cima das demais classes sociais. É praticamente um vício comportamental.
Em tempos de quarentena e isolamento social na cidade maravilhosa me deparo com a possibilidade de assistir online ao espetáculo teatral Alair, do dramaturgo Gustavo Pinheiro (autor de Relâmpago cifrado e A tropa) e, lógico, vou correndo para o youtube para conferir a montagem.
O texto - escrito em 2017 - nos traz o relato do fim da vida (praticamente uma confissão) do fotógrafo, engenheiro, filósofo e crítico de arte Alair de Oliveira Gomes, conhecido como pioneiro da arte homoerótica no Brasil.
Vivido no palco pelo ator Edwin Luisi, Alair funde passado e presente e narra seus erros e acertos ao longo da vida. As escolhas infelizes, os romances tórridos, aventuras que não deram certo, flertes rápidos (e também perigosos), etc. Intercala a zona sul carioca com as viagens que realizou pela Europa, traçando assim um perfil coeso do comportamento homossexual masculino.
Após assistir o espetáculo na íntegra vou ao google procurar por fragmentos de seu trabalho fotográfico. E logo de cara me deparo com um artista que, se vivo (ele faleceu em 1992), incomodaria - e muito! - o Brasil de hoje, cheio de demagogos religiosos e gente que confunde partidarismo político com fanatismo cego.
Sua obra é provocadora ao extremo e um prato cheio para os conservadores de plantão que adoram rotular tudo o que não entendem de putaria ou alienação.
Edwin não está sozinho no palco. É acompanhado por dois jovens atores que, na verdade, funcionam mais como corpo do que como narrativa. Ambos estão ali por conta de seus deltoides perfeitos e silhuetas impecáveis. Detalhe: há cena de nudez aberta (portanto, não recomendo para todos os públicos). É preciso ser mente aberta - ou como diz o próprio protagonista, "um libertário" - para realmente acompanhar a proposta cênica do dramaturgo.
À medida que a apresentação vai se aproximando do fim, e quando estamos mais do que inseridos, assoberbados pela combinação de atuações e exibições de vídeos, chegam os dias amargos: as exposições que foram proibidas pela censura no período militar, o diagnóstico de câncer de próstata... A vida de Alair, como a de muitos que pertencem ao mesmo segmento que ele, não foi fácil.
Trata-se de uma jornada dolorosa pelo árduo mundo daqueles cujo único desejo é permanecerem diferentes em meio ao discurso ditatorial do pensamento único que rege o país desde sempre. E o resultado final dessa jornada é não somente glorioso como inebriante. Para você que está à procura do verdadeiro teatro e não aguenta mais o acúmulo de comédias, stand ups e musicais que não passam de corruptelas da Broadway, eis aqui um prato cheio.
P.S: para quem não assistiu o espetáculo ainda, clique aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=o9NRYt2TuZ0&feature=youtu.be&fbclid=IwAR0FRK4xaKQMc6TUnmeG8ABnnZeORrlZDXto1OLwiLanb9_xnyhXE5Uh3fA
Sem comentários:
Enviar um comentário