quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Animal estranho?


Somente agora, tanto tempo depois do lançamento nos cinemas, consegui assistir o documentário Fernanda Young - foge-me ao controle, de Susanna Lira e Clara Eyer. O culpado disso? O circuito exibidor brasileiro, é claro, que adora programar as sessões dos longas que eu mais quero assistir para os lugares mais inóspitos possíveis ou em horários impraticáveis ou absurdos. Uma pena! 

Quanto ao filme em si: que achado cinematográfico! (Aliás, como vêm se tornando a minha relação com a filmografia da diretora Susanna Lira, responsável também pelo doc Mussum - um filme do cacildis, cuja obra merece a atenção de qualquer cinéfilo que ame - como eu - o cinema brasileiro).

Fernanda Young é aquilo que eu gosto de chamar de um animal estranho dentro da cultura pop nacional. Por quê? Porque ela não seguia modismos, não comprava rótulos, falava o que queria, quando queria e como queria, era provocadora raiz (algo que anda muito em falta no país em tempos de caretice, misoginia e bobalhões viciados em demagogia e conservadorismo) e principalmente: extremamente bem resolvida. Com seu corpo, suas ideias, sua profissão.

Definia-se como escritora, mas também desenhava, poetizava, irritava (num programa de tv inusitado que ela apresentou e que gerou muita repercussão na época, ainda mais com o público cansado do "mais do mesmo" televisivo), roteirizava longas metragens, fez um puta sucesso com a série Os normais, afrontou o padrão estético do país quando aceitou posar para a revista Playboy, e... e tem muito mais, claro! Fernanda era múltipla, multimídia, desbocada - no sentido intelectual da palavra -, arteira, sem limites, etc.

Da dislexia à descoberta da literatura antes mesmo da alfabetização; da indadequação perante a sociedade ao pensamento punk, livre, sem freios; de anti-Monalisa à uma figura quase andrógina que simplesmente não consegue se encaixar dentro de um padrão de humanidade... Assim as diretoras Susanna e Clara vão construindo - com a ajuda de imagens, rabiscos, pensamentos, desabafos, entrevistas etc - um painel sobre uma sobrevivente. Não, uma outsider, que se posicionou até o fim da vida pela sua própria identidade. Doa a quem doesse.

O legado dessa metamorfose? 15 livros, muitas das melhores comédias feitas nos últimos anos no Brasil, e um pensamento afiado - e antenado - com o futuro, sem dar brecha para o ontem ultrapassado e opressor (pois esse ela conhecia, até bem demais). Prefiro não comentar mais nada, pois quero que vocês vejam o filme (com a mente aberta, de preferência) e tirem suas próprias conclusões. Detalhe: toda essa metamorfose cultural é proposta em pouco menos de 1 hora e meia. Uma façanha, vamos e convenhamos! Agora é com vocês, leitores. 

P.S: quase esqueci de deixar uma dica aqui. Se tiverem a oportunidade, leiam Aritmética. Das melhores coisas que Fernanda escreveu na vida. 


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