2025 mal começou e a comunidade cinéfila já leva um golpe devastador na nuca, desses de deixar desacordado por horas, quiçá dias... Morreu o diretor David Lynch, o mestre dos mestres na arte de contar histórias. Putz! Eu não acredito que estou tendo que escrever este post em pleno início de ano. É como uma morte prematura da sétima arte (digo: da verdadeira sétima arte, e não essa tolice de blockbusters, remakes, spinoffs, etc).
David Lynch não era apenas o cinema em sua forma mais pura. Ele era um mundo paralelo em forma de cineasta. Hoje em dia se fala muito em multiverso. Ele já era isso muito antes da própria definição do termo existir. Com seus filmes, éramos capazes de esboçar um sem número de sentimentos os mais contrastantes. E ainda assim ele era capaz de nos surpreender com sua genialidade. Se existiu um artista que mereceu a alcunha de "força da natureza", foi ele.
Seus longas se tornaram parte do imaginário pop e da própria hollywood como um todo. Quem não passou noites acordado para querer saber quem matou Laura Palmer na série Twin Peaks? Ele transformou Mullholland Drive em mais do que um simples endereço, e sim numa catarse coletiva. Acompanhamos o amor obsessivo de Sailor (Nicolas Cage) e Lula (Laura Dern) em Coração Selvagem com um apetite tão feroz que nunca mais vi nada no gênero que chegasse perto daquele delírio.
Em O Homem Elefante ele nos apresentou John Merrick (John Hurt), o homem que foi desumanizado pela sociedade e transformado numa reles criatura, atração num circo barato. Já com Uma História Real ele me fez ir às lágrimas enquanto observava a jornada de Alvin (Richard Farnsworth), que atravessa os EUA num cortador de grama somente para reencontrar o irmão, com quem teve uma desavença no passado.
E isso sem contar, lógico, seus clássicos para todo o sempre: Eraserhead, Veludo Azul, Estrada perdida, até mesmo sua adaptação de Duna, com todos os deslizes que ocorreram pelo percurso... Lynch foi um gigante até quando falhou em suas intenções. Quer dizer: será que falhou mesmo? Porque se tem algo que eu aprendi com o cinema é que se trata de uma arte complexa, que convive com erros, acertos, imperfeições, tentativas frustradas, e sabe lá Deus o quê mais (e isso as novas gerações, honestamente, não entendem).
Nos últimos anos o diretor andou cabisbaixo, desencantado com o ofício, criticou os chamados novos cinéfilos (e essa coisa de ver filmes em telinhas de celulares). Seus últimos trabalhos partiram para um experimentalismo que era bem a sua cara. Ele adorava ser o diferente, o excêntrico. Lynch, como bem disse o escritor Phillip Roth no título de um de seus romances, era o animal agonizante. Lutou até o fim por sua arte, e merecia um desfecho mais glorioso do que essa era contemporânea que só acredita em franquias e box office.
Sua última aparição nas telas foi interpretando o também genial cineasta John Ford no filme Os Fabelmans, de Steven Spielberg. E ao fim da película eu me peguei pensando: "bem que ele podia dirigir mais um, só mais um... um longa de despedida". Infelizmente, não deu tempo. Pena!
David, onde quer que você esteja neste exato momento, toda felicidade do mundo, irmão! Você mudou a minha vida. Me tornou cinéfilo, uma pessoa melhor, que acredita na arte e não em guerras, armas, conflitos bélicos, fascistas, corrupção política, etc. E eu vou ser eternamente grato por isso. Fica com Deus, cara! Hoje e sempre.
Sem comentários:
Enviar um comentário