segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

"Eu não posso, mas eu quero"


Sabe aquela sensação de insatisfação, de que está sempre faltando algo, de que nada, nunca, lhe preencherá totalmente, não importa o quanto você tente, o quanto você vença na vida, seja bem sucedida, ainda assim há algo que se partiu dentro de você? Então... Romy (Nicole Kidman) vive esse dilema. Ela é uma CEO renomada numa grande empresa, casada há quase duas décadas, com duas filhas, admirada por todos os seus funcionários. No entanto...

Há um vazio dentro dela - e me refiro à sua sexualidade, sua parcela íntima - que não se preenche com nada, não importa o quanto ela tente. Suas noites de amor com o marido, Jacob (Antonio Banderas), repletas de joginhos e ironias, não a completam, muito menos satisfazem. Tanto que ela procura consolo no sexo virtual. Em outras palavras: ela é refém de sua própria incapacidade de se sentir uma mulher completa. 

Isso até a chegada, na empresa, de Samuel (Harris Dickinson), um dos novos estagiários. Ele entrega a ela algo que Romy espera há anos e nunca teve: a possibilidade de enfrentar a própria vida sem medos e varrer o controle e o moralismo que ela própria transformou em sua zona de conforto para bem longe. Contudo, como tudo que é segredo, que está no âmbito do proibido, é preciso ficar atenta aos detalhes e, principalmente, aos olhares, pois a qualquer momento o jogo pode virar contra você. 

Babygirl, da diretora Halina Reijn, embora tenha seus deslizes e merecesse um pouco mais de vida suja e sacanagem barata (quem sabe até uma orgia, algo na linha Shortbus, de John Cameron Mitchell), é uma grata surpresa nessa temporada de prêmios por propor um jogo de gato e rato sexual como eu não via no cinema há tempos. E acreditem: a sétima arte mundial anda careta em demasia.

Achei louvável da parte de Nicole Kidman encarar, nos seus quase 60 anos, uma personagem dessa envergadura, com tanta coragem. E acredito que o júri do Festival de Veneza (que lhe concedeu o Leão de Ouro de melhor atriz) deva ter achado o mesmo. Já Harris Dickinson, seu affair mais jovem, me pareceu a cara que o projeto pedia: um homem bonito sem muitos outros atributos além disso, para contrastar com a figura da executiva "estou no controle, mas...", vivendo numa berlinda típica do universo dessas mulheres empoderadas, regida pela famosa frase "eu não posso, mas eu quero". 

Ao fim o que se percebe - essa foi, pelo menos, a sensação que eu tive - é que ela encontrou o tom que precisava para seguir em frente, com sua carreira, sua família e até mesmo seus desejos ocultos. Muitos certamente não concordarão, talvez a achem covarde, conivente com sua própria realidade. Enfim...

Se por um lado Babygirl não é o filme que irá vencer o Oscar de melhor filme desse ano, por outro foi a produção que mais me fez pensar no que estamos nos tornando como sociedade. Não passamos de marionetes de um sistema que acredita que status e poder são as únicas moedas de troca necessárias para sermos felizes, para nos bastarmos? É isso? E quando decidimos ir além, desbravar o novo, nos arriscar, somos condenados por aqueles que, na maior parte do tempo, não dão a mínima para o que sentimos nem o que queremos? Meu Deus!

Que mundo é esse que o século XXI nos trouxe? O último a sair apague a luz. 

P.S: na sessão que eu assisti mais de 80% do público era do sexo feminino. Mulheres das mais diversas idades. E todas elas - pude olhar ao redor em alguns momentos da sessão - impactadas com a jornada de Romy e decepcionadas com a atitude do marido quando a máscara dela cai. Um retrato bem vivo do quanto a classe masculina anda desacreditada atualmente. É preciso que nós, homens, acordemos, o quanto antes. Estamos errando - e feio.


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