Quase tomo um susto ao ler uma série de matérias em jornais distintos falando dos 50 anos do filme Iracema, uma transa amazônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, que acaba de ser restaurado. Como assim já tem todo esse tempo? É, com folga, uma das coisas mais poderosas que o cinema novo já produziu em sua história e nada deve a clássicos eternos do período como Terra em transe, Vidas secas, A falecida, Os fuzis, etc.
Iracema é o Brasil hoje, agora, nesse exato momento, com todas as suas controvérsias e distorções, porém contado cinco décadas atrás (o que faz do longa, de certa forma, uma espécie de premonição macabra).
Acompanhamos a saga daquela jovem índia (vivida por Edna de Cássia) e toda a ilusão vendida como futuro, e promovida pela construção da transamazônica - um dos maiores escândalos governamentais da história desse país - com olhos opacos, por vezes marejados de lágrimas. E pensamos na mesma hora: será que algum dia esse país chegará a algum lugar que preste? Ou nunca seremos nada mais do que oportunistas?
Sebastião - ou, simplesmente, Tião Brazil Grande -, personagem de Paulo César Pereio (brilhante!) é a cara desse país que não é nação, como já bem disse uma vez numa canção o célebre Renato Russo, vocalista do Legião Urbana. Ele é o brasileiro típico, o famoso retrato do "dane-se o país, eu quero é me dar bem ao preço que for". E ao olharmos fixamente para suas tramoias e esquemas sujos, não há como não duvidar do brasileiro médio. Estamos contaminados por essa cultura até o talo. E ai de quem negar!
Nesse Brazil com Z, ame-o ou deixe-o (como se escolher entre uma opção e outra fosse tarefa tão difícil assim!) tudo é negociável e o povo, como mercadoria de escambo, é objeto chulo, baratíssimo, preço de banana, quase 0800. Ai de nós, sobreviventes dessa república federativa...
Numa das análises que li sobre o filme o crítico chama Iracema de "o filme mais contemporâneo do país". E está coberto de razão. Vejam o que acontece na região nesse exato momento. O que mudou? A abordagem. Já os personagens, os agentes da vilania, continuam os mesmos, senão piores. Triste legado o da nossa ignorância, o da nossa mesquinhez.
O filme de Jorge e Orlando é tão gigantesco que pega até mal eu contar os mínimos detalhes aqui. E eu preciso - mesmo! - que vocês, leitores, vejam. E tirem suas próprias conclusões. Vocês nunca mais verão o cinema nacional com os mesmos olhos preconceituosos e de vira-latas de agora. Se permitam. Isso aqui é uma obra-prima incompreendida.
Eu queria muito estar vivo quando celebrarem o centenário dela... Será que consigo? Só o tempo dirá (e eu espero que ele me favoreça pelo menos uma vez).
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