As pessoas que eu conheço que dizem já ter lido pelo menos uma vez o escritor Truman Capote volta e meia repetem a mesma frase: "ele é um autor difícil". E eu sempre respondo essa frase com outra: "ele teve uma infância difícil; logo, não espere de pessoas assim uma obra de amenidades, gentilezas, comédias românticas, pois elas são o oposto disso".
Melhor exemplo não há para começar a falar desse senhor que nos legou o new journalism (ou como preferimos falar aqui no Brasil: o jornalismo literário).
Lembro de quando terminei de ler seu romance mais famoso, o extraordinário À sangue frio, que a crítica classificou na época como "romance de não ficção", sobre o assassinato da família Cluster. A obra consumiu Capote psicologicamente com a mesma intensidade com que o catapultou à fama.
Os especialistas e entendidos sobre sua vida e obra costumavam acentuar o fato de que Truman se equilibrava entre duas personalidades: a do homem tímido, delicado, quase antissocial e o implacável, ferino, sem papas na língua, e por isso mesmo apto a escrutinar as cicatrizes e os vexames da América. Eu acredito sinceramente que essa ambiguidade foi o grande charme do autor. Ele sabia transitar entre todos os mundos possíveis e com uma naturalidade assustadora.
Com Música para camaleões muitos acreditavam que ele se encontrava superado, que nunca mais atingiria o mesmo brilho, e no entanto nos entregou um tsunami literário da maior grandeza, mesclando anônimos e celebridades e deixando de lado - para o próprio bem do fazer literário - o anonimato e a imparcialidade.
Já a partir de Bonequinha de luxo (que ganhou adaptação aos cinemas pelas mãos do diretor Blake Edwards e com Audrey Hepburn na pele da garota de programa Holly Golightly) ele nos ensinou que a elegância não é simplesmente uma fórmula pronta, cheia de bons sentimentos e sorrisos.
Phillip Seymour Hoffman, que o interpretou em Capote, de Bennett Miller (e faturou um Oscar de melhor ator pelo trabalho), soube captar como ninguém suas nuances, sua voz afetada e seu jeito peculiar de viver. E toda vez que eu revejo o longa, penso: "uma pena não termos mais esse moço entre nós, produzindo, desafiando os limites da escrita".
A chegada do seu centenário no dia de hoje minimiza em parte nossa melancolia por não podermos mais ler nada novo dele. E também me faz pensar no quanto a atual geração está lendo os autores errados e sequer se dá conta disso. Ah, Truman! Se você soubesse a falta que está fazendo nesse século XXI que cada dia mais parece um grande elo perdido!
Tem certeza que não dá pra você voltar, não? Pergunta aí em cima, vai!