O que faz dos quadrinhos italianos - ou fumettis, simplesmente - um acontecimento ímpar para mim é a exuberância. Nos comics e charges americanas vemos o way of life cuspido e escarrado da terra do Tio Sam, com todas as suas idiossincrasias e defeitos evidentes. Nos mangás, acompanhamos os samurais e guerreiros em batalhas hercúleas. Já na nona arte made in Itália o que mais chama a minha atenção é a desconstrução do belo, do conceito de vilão ou mocinho, o desdobramento satírico de certo tipo de aventura (aliás, bem a cara do Sergio Bonelli, maior nome deste segmento).
Foi assim quando li uma hq italiana pela primeira vez, aos 15 anos - no caso, o Dylan Dog, de Tiziano Scalpi -; foi assim com Guido Crepax e Milo Manara, em Valentina e Click, dois mestres eternos; foi assim com Hugo Pratt e seu Corto Maltese, mas também me deleitando entre Diabolik, Zagor, Júlia - aventuras de uma criminóloga e outras sagas. Nunca leu um fumetti sequer na vida? Meu Deus! Em que planeta vocês vivem?
Encontro muito por acaso, no meio da rua, ao lado de uma estação de metrô no centro da cidade, um vendedor ambulante se desfazendo da coletânea Fumetti - o melhor dos quadrinhos italianos, da editora globo, por míseros cinco reais. Em outras palavras: ele estava dando o exemplar. Levei-o na mesma hora.
Só fui me dar conta de seu conteúdo ao chegar em casa e me deparar com histórias curtas de grandes personagens da Bonelli. Tex, Mister No, Martin Mystère, Dylan Dog, Nick Raider e Nathan Never. Só o folhear das páginas vagarosamente já foi mágico! Imagine, então, ler cada história com calma mais tarde.
O pistoleiro sem medo de quem quer que seja; o ex-piloto militar, que troca a farda pela Amazônia; o especialista em antropologia, arqueologia, história da arte, línguas, cibernética, esoterismo, que une todos esses talentos como "detetive do impossível; o investigador particular de casos insólitos; o charmoso detetive do esquadrão de homicídios (sempre acompanhado de belas mulheres) e o agente espacial, mistura de James Bond com Blade Runner...
Todos a serviço da diversão. Querem femme fatales? Elas estão lá, em trajes pra lá de sexy, e totalmente amorais; Quer tiroteios apocalípticos e ferrenhos? Vai deparar com eles logo de cara; Quer um deboche muito bem construído em cima da maior reserva florestal do mundo? Lógico que também tem. E tudo isso - e muito mais - numa paleta de cores que anda em falta no mercado de quadrinhos atual em muitos lugares. Sim, eu tenho achado uns quadrinhos recentes cinzas em excesso... e isso nunca é bom.
Um extra importante: há também uma entrevista ótima com Sergio Bonelli na abertura do álbum, na qual fala de suas influências, das dificuldades do mercado distribuidor e sua paixão pelo Brasil. Leiam também!
Ao fim da leitura, um misto de nostalgia (sempre bem-vinda, principalmente nesses últimos anos, em que o país parece cada dia mais perdido e louco em meio a tantos falsos conservadorismos e cegueiras religiosas...) e um desejo: o de voltar a ler, muito em breve, quadrinhos antigos, até os gibis menores. O mundo parecia melhor naquela época... a as histórias, incrivelmente, também. Difícil mesmo é arranjar mais tempo!