domingo, 22 de outubro de 2023

Terra sem alma


Scorsese de volta. E como é bom tê-lo de volta! Seu mais novo longa é a prova viva (pelo menos para bons entendedores e cinéfilos raiz) de que ainda é possível pensar o cinema como forma de arte mesmo em tempos de blockbusters excessivos baseados em quadrinhos, brinquedos, objetos comerciais, pacotes de biscoito, etc...

Assassinos da lua das flores (e fica aqui um quase ultimato: leiam, quando puderem, o livro homônimo de David Grann. Um escândalo!) nos traz um Estados Unidos que os boçais nunca vão querer enxergar, pois ser cego de umas décadas para cá virou sinônimo de virtude. Uma terra sem alma, mas que adora se disfarçar de religiosa, de "terra das oportunidades", de último resquício da ética no mundo.

A nação Osage é assassinada a torto e direito e as autoridades não estão nem aí. Ao contrário: fazem parte - direta ou indiretamente - da matança. O povo, considerado naquele período, o mais rico do país é motivo de inveja. Logo, não há lugar para inocentes. O que interessa é lucrar em cima, ficar com as terras, o direito de explorar o petróleo nelas. 

William Hale (Robert de Niro, impecável como não o vejo há bastante tempo!) sabe bem disso. Manipula seu sobrinho, Ernest Burkhart (Leonardo Dicaprio), recém chegado da guerra, com esmero e espera que ele cumpra sua parte ao casar com a Mollie (Lilly Gladstone, a força-motriz do longa). Mas não somente ele. Trata-se de uma pátria repleta de invejosos e ressentidos - na minha visão, os precursores dos chamados "pais fundadores" de hoje em dia na América, que adoram posar de honestos e cristãos acima de tudo. 

Quando o FBI, recém fundado e chefiado pelo temível J. Edgar Hoover, entra na história, o jogo muda e a narrativa expõe de forma brutal o que até então era somente o Lado B de uma nação contraditória. 

O diretor? Fala sério! É Martin Scorsese, droga! A lenda. Esperem tudo e mais um pouco: um plano-sequência escandalosamente bem feito e que praticamente me deixou sem ar, luzes, o uso do fogo como eu nunca vi em toda a minha vida, um elenco sublime, o respeito à história indígena (e nesse sentido ele toma um rumo distinto do livro, focando na cultura Osage) e um final... Ah, meus caros leitores! O final... O que foi aquilo? Só podia mesmo ser o responsável por longas eternos do cinema mundial como Touro indomável, Os bons companheiros e Táxi driver.

Em alguns momentos eu cheguei a fazer uma breve correlação entre Assassinos e Lincoln, de Steven Spielberg, mas não pela aproximação das narrativas (que em nada se assemelham) e sim pelo contexto conspiratório presente em ambas as histórias.

Scorsese fala de um ontem não tão distante assim, pois ecoa num hoje tão vivo, logo ali na esquina (que o digam os eleitores de Donald Trump, que sempre se acham mais donos da razão do que todo mundo atualmente). E nisso acerta em cheio e volta ao páreo dizendo a plenos pulmões: o cinema precisa ser mais do que meros parques de diversões. 

E ele está coberto de razão. Como sempre esteve. Obrigado, mestre! Por mais essa experiência cinematográfica magnífica. O que será de hollywood quando o senhor partir? Eu não quero estar aqui para ver isso, não!  


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