É difícil ser famoso em qualquer lugar do mundo e o motivo é mais do que óbvio: você vira uma mercadoria que precisa ser remodelada, retransformada e reiniciada ao sabor dos acontecimentos do seu país. Você precisa, em poucas palavras, ser o reflexo exato do que as grandes mídias, produtores e empresas entendem que deva ser a cultura desse país.
Peguem, então, um lugar como o Brasil - contraditório por natureza - e o estrago está feito. E ninguém passou por isso nesse país melhor do que Maria da Graça Meneghel, a Xuxa.
Ela foi modelo, posou pra Playboy, virou símbolo sexual, trabalhou no polêmico filme Amor, estranho amor, de Walter Hugo Khoury em 1982 (longa que ela própria escondeu do público por muitos anos), namorou Pelé e Ayrton Senna e foi o grande nome da programação infantil brasileira durante décadas, onde ganhou o carinhoso apelido de "A rainha dos baixinhos".
E agora, na série Xuxa: o documentário, da Globoplay, tenta passar a limpo, aos 60 anos, uma trajetória de sucessos e polêmicas (bem... em parte). E digo isso porque como todo trabalho biográfico com a participação em demasia do biografado na produção, há sempre lacunas incômodas e que persistirão por mais décadas. E Xuxa, é bom que se diga, já disse e fez muitas coisas - a meu ver - no mínimo, discutíveis.
Lembro de ver, no auge da carreira da loira, uma menina negra sendo impedida de entrar numa de suas lojas da grife Bicho comeu... O assunto rendeu pano pra manga na época. Outro caso de enorme polêmica foi o famoso "Dicionário do X" que alguns educadores do país acharam uma iniciativa equivocada por tratar-se o público-alvo de crianças em processo de alfabetização. E cito esses dois casos só para tocar a ponta do iceberg.
Contudo, como disse no parágrafo de abertura, Xuxa era mais do que um símbolo, era uma marca a ser vendida diariamente. E como vendeu! Mas havia um preço alto a pagar: não pode engordar, não pode cortar cabelo, não pode engravidar, não pode pensar com a própria cabeça... E sua produtora, Marlene Mattos, era o expoente vivo da tv que se fazia naquela época, uma programação de ritmo ditatorial. Fizeram sucesso, sem dúvida, mas a um preço abusivo em muitos aspectos.
"Então qual o maior problema da série, meu caro?", perguntaram-me. O fato de Xuxa, então a Barbie made in Brasil num país onde a maioria da população pertencia à outra etnia, ser produto de um país que não existe hoje mais da mesma maneira. Os anos 1980 deixaram boas lembranças e um grande imaginário popular, mas foram engolidos por uma nova realidade e por uma sociedade que decidiu - na verdade, vem decidindo - rediscutir absolutamente tudo. Inclusive ela, Xuxa.
Talvez se ela começasse sua jornada no Brasil de hoje, mais intempestivo e disposto a brigar por cada pequeno espaço, não testemunhássemos o mesmo sucesso. Talvez ela fosse famosa, mas não teria se transformado na figura mítica que se tornou. Será isso mesmo ou foi só esse espectador analítico em excesso que vos fala que enxergou demais?
Deixo para vocês, leitores que assistiram também a produção, que emitam um parecer melhor (ou mais abrangente) do que o meu. Mas, sério... ficou-me essa impressão de ela ter se resumido a um produto do seu próprio tempo.
No entanto, não é disso também que se trata esse mundo mágico que convencionamos chamar de "classe artística", cheio de invenções que se sucedem num loop temporal interminável? Não sei... Pareceu-me que a carreira dela não precisava desse campo minado que só faz gerar discussões babacas e tendenciosas que nada acrescentam à cultura pop, nem de hoje nem de ontem. Enfim...
Famosos, né! Veem uma brecha para o oportunismo e o resultado é quase sempre dúbio. Depois reclamam!
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