Muito antes da expressão playlist ganhar contornos de objeto pop meu pai adorava fazer coletâneas de músicas em fitas cassetes e eu - meros 12 anos nessa época - ficava de perto observando-o, tentando aprender o esquema. Ele inclusive pedia emprestado vinis importados a seus colegas de Petrobrás e saía à caça de raridades, artistas ímpares, donos de vozes insuperáveis e únicas (me pai era fanático por grandes vozes).
E assim descobri figuras fenomenais da indústria fonográfica como Marvin Gaye, Barry White, Carole King, Aretha Franklin, Joe Cocker, Antônio Marcos, Belchior, Gonzaguinha, Gal Costa, Os novos baianos, Os mutantes, etc etc etc (e haja etc).
Contudo, houve uma vez em que ouvi, em êxtase, uma voz diferente de absolutamente tudo que já ouvira até então. A música em questão era "Feeling good" e semanas depois me deparo com a foto da cantora numa revista antiga: uma mulata que mais parecia um furacão, dona de uma sonoridade assustadora. Virei fã na mesma hora. Seu nome: Eunice Kathleen Waymon. Quer dizer, Nina Simone.
Hoje, para a infelicidade dos fãs e de qualquer um que respeite a boa música, a indústria fonográfica completou 20 anos sem Nina. E isso é simplesmente imperdoável. A mulher que praticamente revolucionou a black music (pelo menos, para mim) continua tão viva em minha mente - e meus ouvidos - que chega a doer.
Até hoje quando uma canção sua toca nas rádios ou nos streamings eu mantenho a mesma reação. Fico estupefato com a sua capacidade de fazer algo tão grandioso parecer tão simples, tão fácil. E então me dou conta de que não é e sim ela, Nina, que me enganou de novo.
Ela é absurdamente gigante e sem fazer esforço.
Não consigo imaginar minha existência, daqui até o fim da vida, sem ouvir clássicos como "Sinnerman", "Don't let me be misunderstood", "I put a spell on you", "Ain't got no, I got life", "To love somebody", "Mississippi goddam" e tantas outras. E não somente a voz. Sua presença de palco e posicionamento político sempre foram impactantes ao extremo.
Nina teve uma vida difícil, enfrentou tudo e todos e muitos tentaram destruir sua carreira ao preço que fosse. Nenhum deles conseguiu. E ela, por sua vez, manteve irretocável seu legado para todo o sempre. E se você, caro leitor, por um descuido ou desvario não conhece a obra de Nina Simone e precisa de um farol para começar a procurar por ela em algum lugar, recomendo o extraordinário documentário What happened, Miss Simone?, projeto da Netflix dirigido por Liz Garbus. Em uma palavra: visceral.
Aposto que depois dessa experiência você vai ficar viciado ou, no mínimo, intrigado. Como eu fiquei, vendo meu pai fazendo aquelas fitas (que passei a escutar escondido dele antes de chegar do trabalho).
P.S : 20 anos? Sério? É tempo demais. E o pior: já foi tanta gente boa embora depois dela e a renovação... putz! sofrível. A música mundial definha dia a dia e os imbecis viciados em dubstep e playback ainda aplaudem.
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