terça-feira, 6 de julho de 2021

O criador de heróis


É difícil fazer o seu nome no cinema, principalmente quando você fez parte de uma geração cheia de nomes poderosos como Spielberg, Scorsese, Copolla e cia., que não envelheceram com o passar dos anos. Mas mesmo assim, certos diretores conseguem encontrar o seu caminho, a sua assinatura, e às vezes uma merecida estrela na calçada da fama. E acreditem: isso é para poucos. 

Somente agora, enquanto leio as notícias na internet, descubro que o cineasta Richard Donner morreu no último domingo, aos 91 anos. E imediatamente fico triste. Ele com certeza foi um dos maiores nomes da sétima arte para a minha geração e apresentou de forma inteligente um limiar entre os slashers de terror que levaram os adolescentes oitentistas à loucura e as chamadas franquias de cinema fantástico. 

Não, é isso mesmo que vocês leram! Richard Donner criou heróis e personagens diversificados muito antes do surgimento da guerra cultural entre Marvel e DC. E fez isso de forma original, simples, sem apelar para tantas excentricidades (obs: costumo dizer às pessoas mais novas do que eu que Donner foi salvo por não ter sido engolido pela cultura do CGI e a ostentação dos efeitos visuais).

Acredito piamente que seu filme mais famoso, o hoje cult Superman não teria obtido o mesmo sucesso ou gerado tanto burburinho se feito hoje, com tanta tecnologia e pós-produção rebuscada. Era justamente o sentimento de improviso em certas cenas que tornou seu filme antológico. A solução que ele encontrou para fazer o ator Christopher Reeve voar como homem de aço até hoje é motivo de júbilo para muitos cinéfilos apaixonados. E podem me detonar, mas ainda considero essa versão de 1978 a melhor do herói da DC (eu sei, eu sei... vai ter leitor me detonando!). 

Mas Clark Kent/Superman não foi o único herói que Donner nos apresentou. Como disse acima, ele foi um criador de tipos heroicos os mais diversos. Sua dupla de detetives Martin Riggs (Mel Gibson) e Roger Murtaugh (Danny Glover), da franquia Máquina Mortífera, acompanhou toda a minha adolescência em frente ao VHS e, posteriormente, o DVD. Isso sem contar os chamados, aqui no Brasil, filmes da sessão da tarde. E Donner fez muito sucesso nessa faixa de horário. 

Os Goonies, que teve roteiro de Steven Spielberg, e O feitiço de Áquila são exemplos perfeitos do tipo de cinema que ele fazia. E trazia não somente a minha geração retratada de forma coesa como figuras sobrenaturais como há bastante tempo não se vê no cinema americano. Em outras palavras: seus heróis não eram mais do que as próprias histórias. Eles serviam à tramas e narrativas bem construídas (algo que, hoje em dia, anda em baixa por conta de inúmeros roteiros medíocres). 

Outro caso à parte na filmografia de Donner é o clássico A profecia, com a criança que simbolizaria a chegada do Anticristo na terra. Esse longa, junto com O exorcista (do diretor William Friedkin), fez com que meu interesse pelo gênero terror fosse além dos filmes de psicopata ou criaturas monstruosas.  

Antes de ingressar de vez na indústria cinematográfica o diretor também deu as caras em episódios de muitas séries televisivas de sucesso, como O agente da U.N.C.L.E, O fugitivo, Kojak, Agente 86, Além da imaginação e Tales from the Crypt (que virou programa semanal por aqui na Band). E quase ia me esquecendo: na época de Os Goonies, mencionado acima, ainda dirigiu clipes musicais para a cantora Cyndi Lauper.

Nos últimos anos Donner se afastou das franquias que o consagraram e acabou por enveredar por outros projetos, digamos, mais autorais e/ou soturnos. E é fácil enxergar isso no alucinado taxista Jerry Fletcher (Mel Gibson) de Teoria da conspiração, no policial alcoólatra Jack Mosley (Bruce Willis) em 16 Quadras ou no destemido matador de aluguel Robert Rath (Sylvester Stallone) em Assassinos, todos provas vivas de que seus heróis não eram simplesmente lineares ou cheios de conceitos morais. Ele também sabia transitar pelo terreno nebuloso quando queria...   

Fica, além da tristeza aos fãs da boa sétima arte, a certeza de um legado único e que será revisto e revisto ainda por muitos anos, já que paixão e nostalgia não têm prazo de validade. E sei que vai parecer clichê dizer isso aqui, ao fim deste texto, mas lá vai: faltam diretores como Richard Donner na atual geração do cinema hollywoodiano. Mais: faltam sua técnica e talento. Perguntem a quem conhece o cinema dele (como eu) e certamente eles concordarão comigo.

Dito isto, só me resta o desfecho óbvio: fica com Deus, mestre!  

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