Não conheço gênero cinematográfico mais clichê do que o terror e ainda assim isso não significa demérito algum a ele. Na verdade, o terror é o segmento ideal para aqueles que amam ver suas expectativas correspondidas. Ele se exulta daqueles que aguardam por momentos providenciais, heróicos, assustadores, mesmo sexuais. E quando não cumpre o que promete os espectadores abandonam a sala de projeção decepcionados, às vezes querendo pedir na bilheteria o seu dinheiro de volta.
Imagine então pagar o ingresso para assistir um longa em que uma maldição de mais três séculos envolvendo uma suposta bruxa transforma uma pequena cidade norte-americana num verdadeiro celeiro de psicopatas. Você, fã de terror, deve estar pensando: "eu já vi esse mesmo filme outras, pelo menos, dezenas vezes e vou querer ver de novo, pois uma releitura do tema não faz mal a ninguém".
E se você pensou exatamente nisso, nessa releitura, então a trilogia Rua do medo, da diretora Leigh Janiak, é o seu filme. Sem tirar nem pôr.
A cidade amaldiçoada em questão é Shadyside e ela vive às turras com uma outra, Sunnyvale, repleta de falsos moralistas que se acham bem sucedidos ou virtuosos em demasia. E quando as mortes começam a acontecer dentro de um shopping somente um grupo de desajustados que não se encaixam no padrão de normalidade dos EUA será capaz de combater a ameaça aterrorizante, incluindo rituais satânicos, muitos tiros e machadadas.
A primeira parte ou 1994 tem como referência mais presente a clássica franquia Pânico e seu serial killer mascarado, mas muito bem acompanhado de outros psicopatas tão sanguinolentos quanto. E a turma de jovens que deverão enfrentar esses assassinos percebe logo de cara que o problema remonta a anos passados e precisa averiguar com calma todo o cenário.
Vem a segunda parte ou 1978 (para mim, o melhor episódio dos três) trazendo em seu bojo os acampamentos assustadores com flertes, sexo proibido e competições entre jovens que invadiram a minha adolescência assistindo Sessão das Dez no SBT ou Corujão e Sessão de Gala nas madrugadas na Globo, além da ilustre homenagem à Jason, da série cult Sexta-feira 13.
Mas a raiz do problema não se encontra exatamente ali e por isso na terceira e última parte ou 1666 a diretora recorre a um terror mais clássico, que me remeteu a longas como A vila (de M. Night Shyamalan) e A Bruxa (de Robert Eggers) e enfim encontra a razão da toda a maldição: a jovem Sarah Fear, cujo único pecado que cometeu em sua comunidade foi o de ser diferente. Deu no que deu.
Matanças, matanças e mais matanças por onde nossos olhos passam, uma trilha sonora capaz de produzir uma playlist notável e nostálgica, a dose certa de jump scares e frases de duplo sentido, corrupção policial, regime de castas, romances proibidos ou, à primeira vista, impossíveis e, claro, todo o sex appeal que o gênero que consagrou nomes como John Carpenter, Wes Craven e Stephen King dentre tantos outros, é capaz de produzir.
Como única, digamos, diferença óbvia (pelo menos para mim) apenas a protagonista abertamente lésbica. E digo isso porque não tenho essa lembrança de ver tantos casais homossexuais nos filmes de terror dos anos 1980 ou 1990 que eu via e revia na tv. Tanto que, anos depois, muitos desses diretores foram acusados de misóginos por atrizes desses mesmos filmes, o que gerou uma controvérsia tremenda.
Divergências à parte, no final das contas o que vislumbramos na trilogia é uma grande antologia do horror americano, com todos os estereótipos e características que tornaram o cinema de terror americano um ícone que enlouqueceu plateias ao redor do mundo.
Para quem pertence a essa atual geração e quer conhecer um pouco do clima proposto por aquele cinema ou quer reviver esses "tempos gloriosos", Rua do medo é imperdível. Mais do que isso: a quintessência do chamado filme-homenagem naquilo que ele possui de melhor. E mais do que isso só mesmo procurando a trilogia para ver na Netflix (que acertou em cheio, de novo).
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