quinta-feira, 15 de julho de 2021

A menina dos olhos de Hollywood


Vejo (e leio) na internet a notícia de que o diretor Quentin Tarantino se afastará da indústria cinematográfica após a concretização de seu próximo longa-metragem para se dedicar à publicação de livros e fico triste. Ele alega - e corretamente - que Hollywood está mais interessada em franquias e filmes de super-heróis do que em projetos autorais ou que fujam da estrutura atual de produção. Resultado: fico ainda mais triste. 

Não é de hoje que venho percebendo o legado amargo que as franquias vêm produzindo na indústria cinematográfica norte-americana. Hollywood, que já foi um lugar de grandes ideias e autores, hoje está melhor classificada como "a meca dos grandes negócios" e nada mais. E na ideologia deles um grande negócio são filmes que já prometam a possibilidade de continuações, remakes e spin-offs antes mesmo que o longa original estreie nas telas de cinema. 

Mas é preciso que eu alerte aos leitores desavisados e já de pedras e paus nas mãos para me linchar: não sou contra a existência de franquias. Elas existem desde os primórdios da sétima arte. O que me incomoda é que elas tenham se transformado na menina dos olhos de Hollywood, na razão de existir da indústria. Isso sim é uma temeridade!

Passei minha adolescência rodeado por boas franquias. Sonhei que um dia os tênis de Marty Mcfly, protagonista de De volta para o futuro, e seus cadarços que se amarravam sozinhos, seriam vendidos em todas as sapatarias e quando moleque improvisei em casa um chicote à la Indiana Jones, com o qual brincava dentro do meu quarto. Eram tempos loucos e de muita criatividade e imaginação. Mas como tudo na vida, o formato em si também envelheceu e com o tempo foi me cansando. Aliás, foi nesse momento que passei a me dedicar ao cinema de outros lugares do mundo, como a Ásia e a América Latina. 

Talvez o pior exemplo de franquia na atualidade, a meu ver, seja aquela prometida por projetos como Piratas do Caribe, com Johnny Depp (que de história de pirata teve muito pouco ou quase nada, e eu ainda fico com os filmes antigos do Errol Flynn), Velozes e furiosos (com seus carros tunados e testosterona a mil) ou a nostálgica Star Wars. E que me desculpem os fanáticos pela série, mas depois de O retorno do Jedi  ou episódio VI não teve nada - mesmo! - que realmente fizesse os meus olhos brilharem. Todas, para mim, se escondem num formato de fácil apelação, repleto de efeitos especiais arrebatadores e com roteiros fracos e previsíveis. O que é uma pena, se levarmos em consideração a fortuna que eles custaram!

Há também aquela galera que prefere as jornadas cheias de figuras mitológicas e personagens fantásticos. A saga Harry Potter, com toda justiça, foi fenômeno por aqui e eu espero que não tentem rebootá-la. Nunca. Já a trilogia O senhor dos anéis, de Peter Jackson, devia ter encerrado sua trajetória desse jeito (como trilogia). Infelizmente vieram O hobbit e a cultura do mais do mesmo. Os fãs de batalhas grandiloquentes certamente amaram. Já os que esperavam algo novo... Pois é. Vocês sabem a resposta de cor e salteado.

E um detalhe precioso: com a chegada de Marvel e da DC ao disputado ringue dos blockbusters ficou-me a sensação nítida de que tudo, absolutamente tudo, possui uma espécie de obrigação moral de virar franquia, pois "se algo é bom, precisa ter mais de um parte ou episódio e não simplesmente terminar com o the end ou o fade out" (esta frase eu ouvi, anos atrás, de um espectador nerd fanático numa sala de cinema na zona sul carioca). 

Qualquer correlação entre a atual Hollywood e o mercado televisivo com suas séries de sucesso NÃO É mera coincidência. Não, meus caros leitores! É um guerra lá fora e quem conhecer melhor o seu território vence. E só pra constar: a tv meio que tem ganho nos últimos anos com uma certa folga.  

Ainda bem que nem todo mundo se rende ao formato e ainda podemos, nós, cinéfilos sobreviventes da cultura franqueada, saborear os projetos pessoais de um Wes Anderson, um Woody Allen, um Roman Polanski ou um David Fincher de vez em quando. Não fosse por eles, não sei mais onde eu estaria nesse exato momento. Quer dizer: talvez eu estivesse escrevendo sobre outras coisas. Vai saber. 

Chego ao final deste humilde artigo que já se pretendia sem um desfecho coeso com apenas duas certezas: 1) as franquias continuarão, ainda por um bom tempo, como arrasa-quarteirões do mercado exibidor, gostemos ou não. E 2) os streamings chegaram e trarão não somente suas próprias franquias, mas também a possibilidade de financiar aquilo que os estúdios tradicionais (Paramount, Sony Pictures, Warner, etc) não têm mais o menor interesse em produzir. E, claro, Martin Scorsese, Spike Lee, Alfonso Cuarón e tantos outros nomes de peso agradecem...

E me perguntarão na lata: e quanto ao futuro do cinema? Esse, leitores queridos, continua como sempre foi: uma mesa de pôquer, cheia de blefes, espertalhões e prêmios milionários. Para quem souber jogar o jogo, é claro.  


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