A princípio eu pensei em deixar uma página toda em branco seguida de um post scriptum sacana dizendo "e vocês esperavam o quê de um ano em que nada, absolutamente nada, de bom aconteceu?". Mas depois voltei atrás e me dei conta de que há, sim, muito o que dizer sobre o ano de 2020. O único problema é que não são elogios. Longe disso...
2020 não foi mole, não! Como bem diz o narrador Galvão Bueno em jogos de futebol entre Brasil e Argentina: "é teste pra cardíaco, meu amigo!" Sim, foi exatamente isso. Com pitadas de humor negro, ganância e muita, mas muita mentira.
Como todo ano 2020 começou sabendo que precisava esperar o carnaval acabar para poder dar as caras. E ele esperou e o carnaval foi lindo, absolutamente lindo. Que o digam os frequentadores do Cordão da bola preta, do Bacalhau do batata, do Galo da madrugada e os que foram conferir os desfiles das escolas de samba no RJ e em SP, isso só para ficar no básico! A festa de Momo correu solta e o brasileiro se esbaldou. E logo a seguir...
Pois é... O problema é o que deveria acontecer depois do carnaval. Não houve depois. Quem planejou alguma coisa teve de adiar por tempo indeterminado. Para muitos, continua adiado. O comércio fechou, a vida paralisou. Em outras palavras: chegou o Coronavírus e o Brasil bem como o resto do mundo "parou".
Muitos estranharão o último verbo do último parágrafo em aspas, mas o nosso país é assim mesmo: só para entre aspas. E digo isso porque sempre gostamos de ser um país de moralistas sem noção, negacionistas e ignorantes. E eles fizeram a festa neste ano que, simplesmente, não começou.
Encontro na internet um texto chamado "a era da mediocridade" e seu título nunca combinou tão bem com o que vivemos nesse Brasil de 2020. As fakes news e os memes viraram padrão, norma de conduta. Os que preferiram dizer que a pandemia era uma reles invenção para aprisionar as pessoas, tocaram o terror, agrediram, festejaram clandestinamente e abertamente até dizer chegar. A humanidade continuou sua escalada infame rumo à ignorância total.
Aliás, falei em clandestinidade. Foi uma palavra muito em voga esse ano. Festas e eventos ilegais para todos os lados. Nem mesmo o governo federal quis oferecer números oficiais sobre a trajetória da doença. Hospitais de campanha levando uma eternidade para ficar prontos e depois serem abandonados. Os responsáveis pela gestão da cidade maravilhosa, ambos bons cristãos (palavra deles!), caíram. Um deles, preso em casa às vésperas do natal. O que fizeram para merecer isto? Honestamente... Quem é carioca de verdade, sabe, oh se sabe!
A corrida pela vacina (é Pfizer, é Astrazeneca, é Sputnik V, é Coronavac, decidam pelo amor de Deus!), a falácia acerca da Hidrocloroquina, Donald Trump mandando seus eleitores beberem detergente, "é só uma gripezinha!", "vamos tocar a vida!", e estamos perto de 200 mil mortos. Até o videogame que virou franquia cinematográfica Resident Evil é pinto perto do que 2020 mostrou para nós.
Isolamento social, lockdown, auxílio emergencial, máscara, álcool em gel, mercados saqueados, Amazônia pegando fogo, Amapá sem energia elétrica e refém do caos, George Floyd morto de forma bárbara nos EUA e protesto por parte da comunidade negra, ruas infestadas de manifestantes em Paris - os chamados coletes amarelos, quebra-pau em tudo quanto é lugar, Trump questionando o resultado das eleições, Joe Biden herda de seu mandato um enorme barril de pólvora e uma nação dividida, o Brexit continua ata e desata e não ata de novo, apologia à tortura... Ufa! Acabou? Que nada. É só um breve resumo da tragédia anacrônica pela qual passamos nesse ano. Que, lembrem-se!, sequer começou.
Embora muitos prefiram dizer que 2020 é um ano para ser esquecido, enterrado, eu prefiro acreditar que foi um ano para nos repensarmos como seres humanos (algo que, claro, muitos não farão. Pelo contrário...). Tentarmos pelo menos entender o porquê de tanta estapafúrdia, tanto consumismo desmedido, tanta arrogância, tanto desrespeito, tanta vontade, enfim, de sermos melhores do que os outros, como se isso fosse pré-requisito para chegarmos a alguma espécie de nirvana.
Enfim: estamos enlouquecendo dia a dia e não nos damos conta. E ainda por cima chamamos isso de natural. Vejo o ano de 2020 como um grande hiato, necessário para recomeçarmos, baseados em outros conceitos, mais humanos, sem tanto ostentacionismo e controvérsia. Resta saber se a humanidade vai cair na real ou continuar idolatrando a mesmice cotidiana enfadonha, calcada em likes, selfies e poses ridículas.
Agora chega, que de desgraça eu ando cheio. E chega logo 2021, por favor! Que eu já estou de saco cheio de tanta notícia ruim.