domingo, 20 de setembro de 2020

Yin e Yang no Vaticano


Quando eu era mais novo meus pais volta e meia me perguntavam quais os países ao redor do mundo que eu gostaria de conhecer, se eu pudesse. E depois que eu respondia a pergunta eu sempre me dava conta de que haviam duas regiões do mundo que eu não fazia a menor questão de conhecer. A primeira é o Oriente Médio, por conta da eterna mania que eles têm de transformar a violência em demagogia religiosa. E a segunda é o Vaticano. 

E quando eu disse isso ao meu pai certa vez e ele me perguntou o porquê eu lhe respondi: "é porque eu tenho a sensação de que a verdade não existe naquele lugar; tudo é tão bonito em excesso, escondido em excesso, inverossímil em excesso e dizem que é a casa de Deus, um homem simples, filho de um carpinteiro. Mais parece o templo da mentira, isso sim". 

Anteontem, depois de me deparar com mais de cinco cópias defeituosas em DVD do longa Dois papas, do brasileiro Fernando Meirelles - cheguei até a pensar que fosse alguma espécie de maldição ou trama sórdida para que eu não visse o filme -, enfim consegui assisti-lo e confesso: consegui diminuir um pouco meu preconceito sobre a terra dos pontífices. 

A trama gira em torno da relação conturbada mas de respeito entre o recém empossado Papa Bento XVI, após o falecimento do Papa João Paulo II e o então cardeal Jorge Bergoglio, que anos depois assumiria o papado como Francisco (interpretados de forma sublime pelos atores Anthony Hopkins e Jonathan Pryce). E mais importante do que isso: desde o primeiro fotograma a película se propõe um interessante debate sobre fé e a jornada do homem no mundo contemporâneo. 

Bento XVI parece, à primeira vista, um homem do passado, de um ontem cada vez mais distante, sentado sobre um livro de regras impreciso, mas que precisa ser seguido à risca. Culpa a própria civilização ocidental por ter se tornado o que se tornou e chama todas as modernidades do século XXI de "aberrações contra a moral cristã". E justamente por isso é visto por muitos fiéis católicos como um mero nazista que não merece a batina que veste. Contudo, por baixo de sua figura carrancuda, reside um homem cansado de enfrentar tantos demônios pessoais. Em suma: ele anda duvidando dos planos de Deus para a sua pessoa.  

Já Jorge é o retrato vivo da modernidade, do que a sociedade está querendo mas ao mesmo tempo tem medo de se transformar. Não acredita em luxos e pomposidade, se assusta de vez em quando com a grandiosidade do Vaticano, chama a igreja de narcisista e prefere suas dúvidas a essa eterna mania dos conservadores de dizerem "eu tenho certeza" sobre tudo. E mesmo assim carrega em seu íntimo sequelas terríveis do passado na Argentina. 

E a priori pensamos: esse debate nunca dará certo, pois eles são yin e yang. Contudo, yin e yang também são complementares em suas intenções e precisam chegar a um denominador comum. O catolicismo precisa disso. A humanidade, então, nem se fala. E o mundo, cada vez mais autodestrutivo e intolerante, implora que eles se façam entender. E eu disse entender, não concordar em tudo. 

A trilha sonora do longa vai de Abba à Mercedes Sosa sem esquecer dos Beatles e achei curioso que o diretor não apelasse para óperas, música clássica ou algo mais tradicional ou sisudo. Mas quer saber? Que bom que ele assim o fez. Do contrário só legitimaria o cansaço do mundo - e da sociedade - em continuar acreditando que homens religiosos não descontraem ou mesmo se divertem. Jorge (e mesmo depois, já como Francisco) provou que eles, os passadistas, estão errados. Dança tango, come pizza e torce fervorosamente pelo seu time do coração, o San Lorenzo. 

Ou em outras palavras: é um ser humano, como eu e vocês que estão lendo esta crítica. Logo, está sujeito às mesmas falhas e pecados como qualquer um. 

Há um momento do filme em que um dos papas fala sobre a globalização da indiferença vigente nos dias de hoje e nesse momento o diretor não só me ganha de vez como deixa claro suas intenções. Precisamos urgentemente deixarmos nossas convicções ferrenhas de lado e voltarmos a conversar. Falta diálogo no mundo e a humanidade passou a achar isso extremamente natural. Não é. Enquanto continuarmos habitando numa sociedade onde o eu prevalece só daremos força ao fascismo e a ignorância reinante neste século. E isso eu pelo menos não aguento mais. 

Muita gente vai me perguntar ao fim deste texto: "e aí, você iria ao Vaticano agora, depois de ter visto o filme?". Como acredito mais na dúvida do Papa Francisco do que na certeza inicial do Papa Bento XVI prefiro responder: "é um caso a se pensar". 

E só por isso já valeu - e muito! - a pena ver este belíssimo exemplar da sétima arte. 


Sem comentários:

Enviar um comentário