Era uma vez uma caixa mágica que foi inventada com a clara intenção de produzir no subconsciente das pessoas a ideia de estarmos diante de uma fábrica de ilusões. E a princípio seu inventor, Philo Taylor Farnsworth, conseguiu. Ela foi responsável pela criação de estereótipos e tendências as mais diversas e por anos foi vista, por parte da população mundial, como única forma de contato com o mundo exterior. O problema: o tempo passou, ela foi perdendo relevância e não soube administrar o fato de que novas formas de transmissão e veiculação surgiram. E vive neste exato momento, para seu próprio infortúnio, uma fase de transição incômoda em que dependendo da maneira como ela lide com a situação, pode acabar decretando sua própria extinção ou ao menos tornar-se parte secundária do processo.
Ao saber da notícia dos 70 anos da chegada da televisão ao Brasil pensei exatamente nisto. E digo tais palavras, pois não pretendo tratar o veículo de forma ufanista e saudosa e sim como ele realmente merece, com respeito.
É inegável que a história do nosso país se encontra posicionada no coeficiente antes e depois da tv. Ela nos acompanha há mais tempo do que somos capazes, inclusive, de reconhecer. Chegou por aqui meio na surdina, contrabandeada em alguns lugares, e se dizendo substituta do rádio. Porém esta batalha ela perdeu. O rádio continua produzindo sonhadores por onde passa e em muitos casos continua sendo aquele "que fornece a primeira notícia ou manchete à população". Mas tudo bem. Coube a tv outros papéis tão grandiosos quanto esse.
Com a tv conheci os desenhos animados, os programas de humor (TV Pirata e Armação Ilimitada eram obrigatórios) e de auditório (como esquecer de Chacrinha, Bolinha, Perdidos na noite, etc), as cerimônias de abertura dos jogos olímpicos, as corridas de fórmula 1 (em tempos de Senna, Piquet, Proust e Mansell), A rede manchete, a temporada de basquete da NBA (que apresentou para o mundo a geração que viria a se tornar o dream team das olimpíadas de Barcelona, em 1992), e até mesmo as telenovelas. Mas essas - confesso - eu acabei abandonando bem cedo, pois nunca gostei da ideia de ficar preso a um horário ou a uma grade de programação por tempo indeterminado. Eu era (e ainda sou) rebelde demais para isso!
A tv discutiu - ou tentou, pelo menos - assuntos como Reforma Agrária, Diretas já, a chegada da Aids, emancipação feminina, corrupção na política, chacinas policiais, entre tantos outros temas espinhosos do país. E no final das contas acabou por provar que se saía melhor quando o assunto era entretenimento. Quando a caixa mágica falava sério soava vazio, falso, tendencioso. E mesmo assim ela insistiu. Que o diga nas eleições, principalmente nos debates eleitorais.
O meu desencanto com ela começa a surgir com o advento dos chamados reality shows, mais precisamente com o Big Brother em 2000. Nunca acreditei que a palavra realidade coubesse dentro desse universo mágico. Sempre me pareceu mais lúcido - embora a palavra lucidez também não explique a contento o meio televisivo - o seu papel de diversão, de fazer a alegria das pessoas. Quando ela tentou replicar a realidade me soou falso, opaco, disforme. E desde já peço desculpas àqueles que adoram o formato.
E não bastasse esse pequeno deslize, ainda por cima surgem dois calcanhares de aquiles perturbadores rondando o seu território: a internet e os serviços de streaming. E eles vêm mostrando, aos poucos, o quanto o público espectador tem a intenção de mudar seus costumes e rotinas.
Expressões como download e maratonar ganharam os corações e as mentes de uma legião de fãs apaixonados. E a tv, obviamente, já percebeu isso e arqueou suas sobrancelhas. Mais: acendeu um pisca-alerta mais do que necessário, principalmente se almeja lutar por sua sobrevivência no futuro.
E só para constar: às vezes o futuro é ontem e nem nos damos conta, tamanha a velocidade desse mercado.
Muitos acham que a tv já teve o seu tempo, que precisa acabar, dar lugar a outra coisa. Aquele mesmo pensamento retrógrado do "a tv tomará o lugar do rádio, o cd tomará o lugar do vinil, etc". E não fosse isso o suficiente ainda tem torcida pedindo a falência de certa emissora. Enfim... Vivemos tempos de ódio, pouca reflexão e muita dúvida rotulada precipitadamente de fake news. E o preço, logicamente, é amargo.
Antes que me perguntem o que penso disso tudo, abro logo o jogo e digo: a tv precisa, isso sim, encontrar o seu lugar de novo. Um novo lugar que entenda que o seu espectador cansou da mesmice, da enganação e do sensacionalismo. O problema é fazer os donos das emissoras entenderem isso e saírem da sua zona de conforto e dos contratos milionários de exclusividade. Pois é... Nesse quesito, ilusão não é uma palavra que responde o problema. Pelo contrário.
E entre altos e baixos ela se torna setentona e ainda cheia de admiradores, à procura das cenas do próximo capítulo. E ao invés de dar-lhe meus parabéns, prefiro desejar boa sorte. Parece-me mais coeso e sincero. E além do mais, em tempos de You tube, redes sociais, Netflix, Amazon e até a Disney criando a sua própria plataforma, ela vai precisar.
E muito.
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