Até que ponto a palavra superação pode ser administrada? E a partir de quando perdemos o controle de tudo e nos damos conta de que nosso único desejo é o de ser o número 1 no que quer que façamos? Honestamente... Às vezes tenho a impressão de que certas pessoas são, na verdade, seus próprios inimigos.
Não é de hoje que os tabloides e os programas televisivos mostram o que artistas e desportistas são capazes de fazer para se manter no lugar mais alto do pódio ou em evidência na carreira, sempre conquistando novos papéis de destaque. O problema é justamente quando todos os limites do ético e do saudável são ultrapassados em nome de uma suposta fama ou prestígio.
E é aqui que reside o grande dilema da jovem bailarina Nina Sayers (vivida de forma intensa pela atriz Natalie Portman, vencedora do Oscar de melhor atriz por esse trabalho) no drama Cisne Negro, dirigido pelo cineasta Darren Aronofsky.
Escolhida como protagonista para a próxima montagem do balé Lago dos Cisnes, a promissora bailarina, ainda novata e não totalmente conhecedora das armadilhas que envolvem a sua profissão (e o mundo da dança de uma forma geral), tropeça em suas próprias dúvidas, divergências, na falta de coragem para assumir certos posicionamentos diante de uma mudança tão radical em sua vida, sem contar as sucessivas exigências vindas de dois focos distintos: a primeira dentro de casa, pela mãe, Erica (Barbara Hershey), uma relação extremamente possessiva, e a segunda profissional, enredada pela sedução e a cobrança excessiva de seu diretor, Thomas Leroy (Vincent Cassell, em atuação brilhante).
Com o aparecimento da misteriosa rival Lily (a belíssima Mila Kunis), seus questionamentos internos chegam à um patamar que beira à loucura total. E somente com muita força de vontade e determinação ela será capaz de combater tantos "adversários".
Aronofsky mistura estilos que em muito lembram o cinema psicológico do início da carreira de Brian de Palma (principalmente pela condição claustrofóbica em que se encontra a personagem principal) e o estilo narrativo de Roman Polanski (com lembranças que remetem a Repulsa ao sexo).
E dessa mistura de sobrenaturalidade com drama existencial ele cria uma metáfora para pensarmos o papel do ser humano numa sociedade tão exigente e que cobra tanto das pessoas, dividindo-as em dois grupos desiguais: os melhores e o restante da população.
Com uma câmera na mão que surpreende ao focalizar a dor, o desespero e o sacrifício que envolve uma das formas de arte mais genuínas e fantásticas da história da humanidade, o diretor realiza mais uma película audaz - o que vindo dele é praticamente clichê, vide produções fortes em seu currículo tais como Réquiem para um Sonho, O Lutador e o visceral Mãe! -, compondo assim uma cinematografia de enfrentamentos, algo que parece agradá-lo profundamente.
Em poucas palavras (se é possível resumir uma película dessas), Cisne Negro é subversivo ao mostrar o balé além do espetáculo, das luzes e dos aplausos de agradecimento vindos do público. É forte, indigesto em alguns momentos - o cineasta não tem medo de pesar a mão ao retratar certas psicoses e desejos da artista que desce às profundezas de sua própria alma rumo ao estrelato -, e profundamente brilhante.
E, provavelmente, acredito que é isso que está faltando no cinema contemporâneo: um pouco de ousadia. E não apenas meros efeitos especiais, tecnologias de captação de imagem e elencos esbeltos que mais funcionam como belas paisagens, porém sem conteúdo algum.
A grandeza do filme está justamente em se expor, algo que o cinema mundial contemporânea parece estar desaprendendo nos últimos anos, salvo um grupo restrito de grandes realizadores.
E pensar que eu vi essa pequena joia a primeira vez uma década atrás no cinema (e parece que foi ontem)...
P.S: eu conheço um grupo de pessoas que cataloga esse filme dentro do gênero terror. E quer saber? Eles não estão totalmente errados!
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