Nunca imaginei que fosse me deparar com tanta coisa boa em termos de entretenimento, sem nem ao menos precisar sair de casa para isso... O que não faz uma epidemia!
Antes de qualquer outra coisa que se diga ao longo dessa crítica, é preciso agradecer ao site Mubi, por também disponibilizar conteúdo audiovisual gratuito durante a quarentena da covid-19. Os cinéfilos mais apaixonados agradecem!
Agora vamos aos fatos: conheço muitas feministas e mulheres empoderadas que vão se identificar - e muito! - com Ema, filme mais recente de Pablo Larraín (dos ótimos No e O clube). E por um motivo óbvio: a protagonista é forte, não leva desaforo pra casa e muito menos desiste do que quer (mesmo quando aquilo que ela quer contraria as regras do que conhecemos como ética ou senso comum). E em tempos tão inescrupulosos como esses em que vivemos no século XXI, isso não é pouca coisa, não.
Ema (a exótica Mariana Di Girolamo) é uma mulher que chegou aquele ponto da vida em que o mais sensato a fazer seria tirar o time de campo e aceitar a derrota de forma digna pelos delitos que cometeu. Uma tragédia fez com que ela perdesse a guarda do seu filho adotivo, bem como arruinou o seu casamento pra lá de complexo com o tempestuoso Gaston (Gael García Bernal). O único resquício de humanidade que lhe resta é a paixão pela dança. E ela a exercita de forma digna, quase aflita, como quem se agarra a um cilindro de oxigênio.
Porém, ela decide não entregar os pontos e ir à luta, mesmo que para isso ela precise enfrentar essa jornada sozinha. Até mesmo a assistente social que cuida de seu caso já a alertou para os problemas que ela causará, caso insista em recuperar o filho. Mas ela, Ema, não vê razões realmente lúcidas para ouvir quem quer que seja.
Resultado: trama um plano sórdido que faça com que ela se aproxime novamente da criança, enquanto vive diariamente o seu estilo "living la vida loca" de ser. E digo mais: acredito piamente que mulheres como ela, insubordinadas, indomáveis, são aquelas que vêm ganhando o rótulo de avant-garde nos últimos anos. Em outras palavras: Ema é pura ousadia em forma de mulher e se orgulha disso. Mesmo.
Vi na sua persona quase indestrutível, confesso, um pouco da Erin Brockovich que Julia Roberts interpretou no filme homônimo do diretor Steven Soderbegh. E quando digo "vi um pouco", refiro-me à postura "eu vou vencer essa parada custe o que custar, e ninguém conseguirá me impedir por mais que tente". Só falta, em seu desejo de dar a volta por cima a qualquer preço, ela se transformar numa mulher-bomba e explodir tudo ao seu redor. De resto, ela simplesmente ultrapassou todos os limites do bom senso.
Embora não curta o gênero escolhido na trilha sonora (o reggaeton nunca fez o meu estilo), é de fácil compreensão a escolha dele para compor essa personagem turbulenta e decidida que Ema transpassa durante toda a projeção. E vejo essa música funcionando quase como um ruído. Tudo ao redor da protagonista vende essa ideia ruidosa, como se fossem paredes tentando sufocá-la, mantê-la presa de qualquer jeito. No entanto, é praticamente impossível colocar freios numa mulher como essa.
E como consequência de toda essa paranoia em forma de narrativa cinematográfica o que temos no final das contas é uma interessante reflexão sobre a mulher nesse século cheio de dúvidas e nenhuma resposta à vista. Mas uma mulher extremamente manipuladora, que não entende minimamente a dificuldade de lidar com a própria vida e com as escolhas infelizes que cometeu no passado.
Perdida, ela apela para o baixo nível - algo que anda muito em voga no mundo contemporâneo - e passará por cima de qualquer um como um rolo compressor, toda vez que o sistema ou a sociedade ousarem desafiá-la.
P.S: uma pena que o longa seja mais um exemplo, dentre tantos que já resenhei por aqui, do tipo de cinema que não vem interessando aos nossos cinemas, mais afeitos à comédias bobocas, franquias sem sentido e heróis estereotipados. Ainda bem que o streaming e sites como o Mubi existem para suprir a carência dos espectadores mais corajosos, que buscam fugir do tédio e da mesmice promovida pelos blockbusters.
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