segunda-feira, 25 de maio de 2020

Nem sempre a melhor leva


Não é de hoje que o meu interesse pelo desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí diminui. É um processo que vem se desconstruindo ao longo da última década e por duas razões: primeira, a minha total convicção de que aquele desfile não representa, há anos, o real significado do carnaval carioca. E segunda, pois há anos venho reclamando dos resultados dos campeonatos. 

Já existe até um personagem típico nas apurações da quarta-feira de cinzas: o chamado anti-beija-flor. E isso por conta da quantidade de campeonatos que a agremiação de Nilópolis faturou seguidamente nos últimos anos, levando o caráter de descrédito a um patamar poucas vezes visto (acho que só quem se compara a isso é a Portela, e digo isso por causa dos torcedores mais antigos do que eu, que volta e meia cutucam os títulos da azul e branca de Madureira, taxando-os de "comprados pelo Natal"). 

Polêmicas à parte, passei anos me perguntando se algum dia um pesquisador sério faria um livro sobre carnavais que não faturaram o campeonato, mas mereciam mais do que a escola que ganhou. E eis que me aparece o jornalista Marcelo de Mello com o inebriante Por que perdeu? - dez desfiles derrotados que fizeram história

O exemplar abriga de forma detalhada dez enredos inesquecíveis - na visão do autor, é bom que se diga! -, abrangendo um período que vai de 1977 a 2004 (portanto, a obra começa anterior à construção do Sambódromo no Rio de Janeiro). E desde já adianto aos que gostam de polemizar e alfinetar: ele também incita uma dúvida sobre um título da beija-flor, fazendo com que o senso comum dos últimos anos continue ganhando força.

Mas a grande riqueza do trabalho está na pesquisa de Marcelo e, principalmente, na maneira apaixonada com que ele fala dos carnavais passados e do gênero em geral. 

Impossível não marejar os olhos ao me lembrar de Ratos e urubus... larguem minha fantasia!, enredo da beija-flor de 1989 (e o título que dá nome ao capítulo, "Quer que eu desenhe?", fala por si só, antes mesmo do autor entrar na questão polêmica do Cristo mendigo). Detalhe: nessa época eu morava em Ramos a três ruas da quadra da Imperatriz e mesmo assim não estou aqui comprando a briga dela. Digo isso porque o enredo proposto por Joãosinho Trinta me fez repensar completamente a estrutura e a maneira de se pensar aquele espetáculo. 

Para os que gostam de apontar seus dedos acusadores para os jurados, eternos culpados por estragar a festa de tempos em tempos, Marcelo esmiúça situações controversas e que deram pano para manga em suas respectivas épocas. E eu vi em sua escolha narrativa uma maneira de também mexer com o lado "lenda urbana" da festa. Afinal de contas, se não houver ti-ti-ti ao final da apuração e da entrega do troféu, não houve carnaval no RJ. Ou como diria Jorge Perlingeiro, locutor da apuração: "só uma ganha, mas as outras 11 não admitem perder!". (Eu sei, eu sei... Nem sempre só uma ganha).

Antes mesmo de chegar ao último capítulo com O sonho da criação e a criação do sonho: a arte da ciência no tempo do impossível, enredo vice-campeão de Paulo Barros para a Unidos da Tijuca em 2004, já estava apaixonado pelo livro. E não se esqueçam: trata-se de um livro sobre perdedores. E isso se deve também, em grande parte, ao fato de eu ter acompanhado capítulo a capítulo com o notebook aberto acompanhando os desfiles - até mesmo os antigos - no you tube. Façam também essa experiência. É praticamente uma viagem no tempo. 

De chato mesmo só o tamanho: pouco mais de 200 páginas. Sim, meus amigos! Na minha modestíssima opinião, poderia ser maior. Bem maior. Mas quem sabe ele não toma gosto depois desse e escreve outros (caso ele leia esta humilde resenha, sugiro um sobre blocos carnavalescos clássicos, como Cacique de Ramos, Bafo da onça, Escravos da Mauá, etc). Tenho certeza que os foliões agradecerão. 

E seguindo a premissa "nem sempre a melhor leva", mas sem se deixar levar por ressentimentos ou mágoas, o autor - que também é jurado do Estandarte de Ouro - nos apresenta um lado B do carnaval carioca na avenida, de forma elegante, bem humorada, e sem deixar de lado sua opinião crítica. Quer mais? Então procura o livro porque eu não vou dar spoiler, não! 

Eu quase não fiz dessa vez, mas... P.S: foi o primeiro livro que eu li nessa quarentena do Covid-19. É... Para alguma coisa boa esse isolamento serviu!

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