O amor não é uma ciência exata e a sétima arte não cansa de avisar isso aos cinéfilos. E provavelmente o melhor exemplo disso que eu conheço é a cinematografia do diretor Woody Allen (que voltou a ser odiado nos últimos tempos por seus delitos do passado). Poucos em hollywood se debruçaram tanto sobre as distorções e os dilemas que envolvem os relacionamentos amorosos quanto ele.
Com seu novo longa, Um dia de chuva em Nova York - que chegou a ter sua distribuição adiada aqui no Brasil, não somente por conta das acusações de assédio contra ele como também pelo processo que ele moveu contra a produtora do filme, a Amazon Studios -, Allen usa sua visão de mundo sobre a América contemporânea e a indústria das celebridades para nos mostrar que vivemos num mundo repleto de pequenas traições (e sequer nos damos conta disso em alguns momentos).
O casal que dita o ritmo do filme é composto por Gatsby Welles (Timothée Chalamet, o atual queridinho de hollywood, após a fama conquistada por Me chame pelo seu nome), um dos muitos garotos privilegiados dessa América esnobe, que cursa uma das melhores universidades da Ivy League, mas está sempre reclamando de tudo, sempre passando a imagem de estar entediado de forma constante com a vida; e Ashleigh Enright (Elle Fanning), o estereótipo vivo dessa imprensa sensacionalista dos dias de hoje: uma profissional mal-formada, que cita referências apenas para acobertar a sua falta de informação sobre o tema, e que trata o próprio trabalho como uma reles paixão.
Ambos vêm para a Big Apple para passar um fim de semana e conhecer os pais de Gasby, mas Ashleigh tem uma entrevista marcada com Roland Pollard (Liev Schreiber), um famoso cineasta por quem a jovem repórter tem verdadeira tara (ela o considera praticamente um Van Gogh do cinema). Contudo, Roland é um artista inseguro e acredita estar realizando um novo trabalho muito aquém do que esperava. E por conta disso desaparece no meio do encontro, fazendo com que a jovem corra a cidade toda, acompanhada do produtor do longa, atrás dele. Enquanto isso, Gatsby esbarra com a jovem Chan Tyrell (Selena Gomez), que é irmã mais nova de uma ex-namorada que teve no passado e esse encontro faz com que ele reveja sua atual relação.
Porém, mais do que uma sucessão de encontros e desencontros (as horas vão passando e ele vai percebendo que tudo o que o casal havia planejado fazer não se concretizará), a narrativa proposta por Allen foca numa subtrama mais interessante: o quanto estamos dispostos a ir para realizarmos nossas expectativas, mesmo que isso vá prejudicar a relação a dois.
Como disse no título do artigo, Um dia de chuva em Nova York é um filme sobre traições. Mas não traições gigantescas, ofensivas. Pequenas traições, muitas vezes baseadas em atitudes impensadas ou simplesmente pela vontade de um ego inflamado ou de uma carreira bem sucedida que volta e meia costuma bater ponto para testar a boa fé de qualquer relação que se preze. Vi em algumas críticas postadas na internet gente reclamando desse aspecto do longa, dizendo que o filme vende uma imagem ruim da sociedade. Honestamente, não tive essa percepção.
Prefiro acreditar, ao invés disso, na teoria proposta por Zygmunt Bauman: a de que vivemos numa modernidade líquida, onde nada parece durar o tempo que gostaríamos. Nunca foi tão difícil manter um relacionamento amoroso como nos tempos atuais. Para todos os lugares que olho vejo casais reclamando de invasão de privacidade, falta de respeito, tratamento diferenciado para homens e mulheres, uma enorme parcela da sociedade reclamando do culto ao passado, quando a mulher se "contentava" em ser submissa. E o resultado disso na prática são casamentos efêmeros, o aumento da homossexualidade (o que gera muita intolerância e homofobia) e pessoas preferindo viver sozinhas, segundo a ótica do "antes só do que mal acompanhado".
O que o diretor faz é pegar o clima reinante na hollywood atual, baseado em movimentos como o Me too e o Oscar so white, fora as inúmeras acusações de assédio que tomaram conta da meca do cinema nos últimos anos, e desdobrá-lo num cenário mais cotidiano, apontando as falhas de caráter de uma sociedade que sempre primou por se vender como a maior nação de todas e que depois da tragédia do 11 de setembro entrou, isso sim, em colapso, lutando contra sua própria inabilidade para recomeçar do zero.
Ao final da sessão as luzes se acendem e eu vejo uma sala bem mais vazia do que o habitual num filme de Woody Allen. "As pessoas andam amargas atualmente", penso. Tudo é motivo para ressentimento e apontar o dedo acusador para os demais.
Entretanto, mesmo com o clima adverso a ele, Allen acerta na mosca e entrega um filme interessante e reflexivo. Precisamos urgentemente nos reencontramos como sociedade. Precisamos reaprender a viver juntos e respeitar o próximo, suas escolhas, suas identidades. Não fazer do outro um reles acompanhante que precisa estar disponível somente quando desejamos. Do contrário, acabaremos por virar robôs rancorosos, que ficam à espreita, aguardando as falhas alheias para depois poderem dizer, se sentindo vitoriosos: "eu avisei que ele não valia nada".
E isso, meus caros leitores, não é nada produtivo. Não mesmo.
Sem comentários:
Enviar um comentário