quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

O mister


Ele chegou ao Clube de Regatas Flamengo como chegam todos os técnicos em tempos de crise: envolto num nível de cobrança assustador. A campanha de Abel Braga, seu antecessor, foi irregular e o clube percebeu que não chegaria a lugar nenhum nessa temporada. Logo, melhor mudá-lo (esta é a cultura do futebol brasileiro: o problema é sempre o técnico). 

E como todo treinador já sabe de antemão, muitas vezes transparece ser impossível ser técnico de um time como o Flamengo. Você se torna quase um gato acuado contra a parede 24 horas por dia. E pior: sem tempo longo para promover mudanças substanciais. Ou, em outras palavras, precisando realizar o milagre no prazo mais curto possível. Do contrário...

Falo, é claro, de Jorge Jesús. Ou o mister, como ficou conhecido pela torcida rubro-negra. 

Detalhe: rezou contra o treinador desde o início de seu contrato o fato de ser, para os torcedores, um ilustre desconhecido. Um homem sem a carreira gloriosa, sem o currículo profissional irretocável, de grandes nomes internacionais do mercado da bola, como Mourinho ou Pepe Guardiola. 

E não é que o português calou a boca de todo mundo e promoveu a redenção do rubro-negro, equiparando sua trajetória ao melhor momento do clube em toda a sua história?

Com módicos cinco meses de trabalho, Jesús impôs seu estilo de jogo, extremamente pessoal, fugindo de polêmicas com comentaristas de mesas redondas (que adoram dar palpites infundados e se acham, muitas vezes, donos da verdade sobre o esporte) e outros "entendidos" do assunto. Não seguiu modelos impostos pelo futebol internacional, que adora vender modelos milagrosos como solução para o esporte mais amado do mundo. E mais: pegou um grupo de atletas que misturou desacreditados (jogadores que em outros clubes nada fizeram de relevante) com outros que, à primeira vista, pareciam já ter dado o seu melhor e viviam apenas de renome. 

Contudo, comandados pelo mister - o técnico não curte muito essa ideia brasileira de ser chamado de professor -, encontraram-se como grupo coeso e provaram que nem sempre títulos são sinônimos de timaços cheios de estrelas adquiridos a peso de ouro na Europa. 

Foram 38 anos até que o Flamengo gritasse "campeão da Libertadores" novamente. E consequentemente chegar ao Mundial de Clubes novamente. E não bastasse isso, horas depois, a consagração do Brasileirão 2019. Resultado lógico: festa no centro da cidade, uma multidão de fãs, time passando em trio elétrico e o escambau. 

Porém, mais importante do que a festa em si, foi a vitória da gestão de um clube que por vários anos se notabilizou por campanhas fracassadas e a luta contra o rebaixamento. Isso começou a mudar com o penúltimo título nacional e é engrandecedor ver o clube tomar vergonha na cara e procurar um novo modelo de administração. Que deu certo ainda por cima. 

Resta saber agora o que o clube fará para segurar tal elenco e principalmente o técnico (que mostra interesse em ir para a Espanha, epicentro do futebol europeu atualmente). Acredito que a torcida só sentirá o clima mesmo - quem vai, quem fica - após o Mundial no Qatar, principalmente caso o Flamengo se consagre. 

Até lá, que os torcedores vivam esse momento com orgulho e sabedoria (sabendo que campanhas como essa não costumam se repetir com frequência, pois o futebol - já dizia certo cronista - é uma caixinha de surpresas). 

P.S: em meio a um ano tão difícil para o país em todos os aspectos, é um enorme prazer, um artigo raro, ver em nossas terras um estrangeiro que visa o correto, o trabalho, e não a polêmica e a fama, como costumamos ver diariamente nesse país de posudos e sem noção. Valeu, Jesús! 

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