O divórcio - assim como os triângulos amorosos, as brigas por herança, o adultério e o cerimonial que envolve o casamento em si - são temas recorrentes e sempre bem vindos dentro da seara cinematográfica norte-americana. Em outras palavras: tudo o que esmiuça a instituição família, seja para melhor ou para pior, seja ironizando ou exorcizando demônios, normalmente ganha eco em hollywood através do discurso de diretores brilhantes, que conseguem falar sobre o tema sem cair no piegas e no tendencioso.
Contudo, desde o final dos anos 1970, com o extraordinário Kramer vs. Kramer, de Robert Benton (vencedor de cinco Oscars) eu não me deparava com um exemplar do gênero tão bem realizado e impactante quanto História de um casamento, do diretor Noah Baumbach (que já havia falado sobre o assunto, sob outro prisma - no caso, o olhar do filho diante da situação - no também ótimo A lula e a baleia).
E pode parecer louco para muitos leitores de meus artigos e críticas postados aqui que um colunista solteiro, que nunca se interessou por matrimônio em toda a sua vida, tenha tamanho fascínio pelo assunto. Pois é... Quando esse assunto é bem defendido, eu tenho interesse sim e muito!
História de um casamento se debruça sobre o fim do relacionamento de Charlie (Adam Driver, uma grata surpresa nessa temporada de prêmios), um diretor de teatro um tanto ególatra que coloca sua carreira e realizações à frente de qualquer outro aspecto de sua vida e Nicole (Scarlett Johansson, no melhor papel de sua carreira em anos!), um atriz que poderia atingir o zênite de sua carreira e sua vida familiar se não se sentisse tão preterida dentro do próprio casamento. E com a traição do marido ela encontra o estopim que precisava para pôr um basta na relação, mais do que desgastada.
Contudo, há aquele velho porém que sempre assombrará a vida dos casais que entendem que não é mais possível seguir adiante juntos: com quem ficará o filho, Henry (Azhy Robertson)?
É nesse momento que entram em cena os advogados e a eterna guerra conjugal que leva, na maioria dos casos, à luta por muito mais do que apenas a guarda da criança. E nesse sentido, há que destacar a atuação da ambiciosa Nora Fanshaw (Laura Dern, fantástica e forte candidata ao Oscar de atriz coadjuvante), advogada de Nicole. Ela é o retrato vivo do que eu penso a respeito do meio jurídico desde que eu era um reles adolescente: uma gente sempre apta a pensar através de cifras e não necessariamente de forma racional.
À medida em que fica claro para os espectadores o desfecho agonizante da narrativa (afinal de contas, nunca conheci uma história de divórcio que terminasse realmente em final feliz) eu chego a conclusão de que, mais do que as agruras e consequências trágicas provocadas pelo término de um relacionamento amoroso, História sobre um casamento é um filme sobre a dúvida e como lidamos com ela nessa sociedade contemporânea controversa como a que estamos vivendo atualmente.
Desconstruindo a frase "até que a morte os separe" proferida pelo padre no altar no dia do matrimônio até suas últimas consequências, o que se vê na prática é a desilusão e a dificuldade de manter um casamento vivo em meio a tantas dúvidas, a tantos "e se".
Bem lá no fundo, sabemos o quanto Nicole e Charlie gostariam de permanecer juntos. Há algo na psique deles, na forma como se relacionam mesmo separados, que me faz acreditar em alguns momentos: "eles gostariam de tentar de novo". Contudo, como acreditar que os erros não se repetirão, que as traições não voltarão a acontecer? E esse é o grande legado oferecido pelo filme de Baumbach. Mostrar que casamento não é uma ciência exata e não se resume a noites tórridas de amor, beijos acalorados e abraços de conforto. E mais: respeito não resume a situação, por mais que muitos casais costumem colocar a culpa pelo fim nesse conceito exclusivamente. Não, meus caros leitores! Vai muito além disso.
O longa - outro acerto no catálogo da Netflix, empresa da qual sou cada dia mais fã - é um tapa na cara dos moralistas que adoram pontuar problemas e soluções para tudo na vida. Entretanto, viver a dois nunca é comparável ao tempo que você, meu amigo leitor, passou sozinho, curtindo a solteirice. É preciso abdicar muitas vezes. E atualmente, num mundo tão neoliberal como o atual, está cada vez mais difícil abrir mão em prol de outra pessoa.
E tem o meu mais sincero respeito - agora sim a palavra cabe como uma luva! - qualquer artista que decida meter a mão nessa cumbuca para expurgar sentimentos e certas verdades, muitas vezes varridas para debaixo do tapete.
P.S (este espaço a cada dia que passa vira mais e mais um grande desabafo): como é fácil fazer um filme sem CGI, sem tantos efeitos especiais ou tecnologias que só servem para encarecer o ingresso. Basta criar uma boa história. Pena que certos diretores ditos "do primeiro escalão" em hollywood não conseguem entender isso!
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