Quando eu era mais novo (mais especificamente: por volta dos 15, 16 anos) acreditava que toda exposição precisava de um motivo grandioso para existir, um grande tema que justificasse toda aquela infra-estrutura e investimento.. Algo na linha "o centenário da Revolução Francesa" ou " 500 anos do descobrimento do Brasil". E qualquer assunto que soasse o mais banal possível deveria permanecer longe das galerias e centros culturais voltados para as artes plásticas e visuais.
Meu Deus. Como adolescente é burro!
Entro no prédio do Centro Cultural Banco do Brasil - instituição que já faz parte da minha formação cultural e que eu considero um dos maiores achados culturais dessa cidade - e me deparo com redes. Isso mesmo. Redes de dormir. Por todos os lados. Um artigo banal, facilmente encontrado nas casas de nossas avós (que saudades eu sinto da minha!) e parentes mais idosos. E descubro que por trás de um objeto tão simples há um estudo precioso e uma riqueza de significado sem igual.
A exposição Vaivém, que é fruto de uma pesquisa de doutorado de Rafael Fonseca, curador da mostra, traz à tona as mais diversas histórias envolvendo um artefato repleto de memórias afetivas as mais diversas (o que eu conheço de gente que tem boas histórias para contar envolvendo redes vocês não fazem ideia!).
A mostra, composta de 300 obras de mais de 140 artistas (sendo 31 deles indígenas) traça um paralelo entre descanso, arte e cultura visual no Brasil. Refiro-me è descanso de forma irônica, pois é de conhecimento notório sobre o objeto que ele sempre teve de lutar contra o estigma da associação à preguiça - como narrado em Macunaíma, de Mário de Andrade. Muitos são os que vêem as redes de dormir com olhos preconceituosos, associando seus portadores à vagabundagem.
E a curadoria nos apresenta um passeio delicioso por entre fotos, pinturas, xilogravuras, redes estilizadas feitas de madeira, etc (além das redes tradicionais, é claro!). Detalhe curioso: cerca de 40 obras receberam financiamento para serem desenvolvidas exclusivamente para a mostra. E há, inclusive, exemplares "impróprios" para o uso, como por exemplo uma rede feita de arame farpado.
Eu, logicamente, com minha mente sórdida que vocês leitores já conhecem de outros textos, associei a obra em questão imediatamente com o momento pelo qual o país passa no atual governo, após toda a discussão envolvendo a recente Reforma da Previdência e os protestos de quem recriminava o governo federal, acusando-o com a frase "eles não querem que o povo descanse nunca mais, que trabalhe até a morte". Nesse sentido, a rede faz um retrato perfeito do que eles esperam do povo.
Segundo o curador, a mostra se trata de "um vaivém de tempos e linguagens, onde o público visitante costura os significados por trás das escolhas feitas na exposição". Ele deseja que os visitantes tirem suas próprias conclusões (por isso, não setorizou a mostra em categorias).
Mas o momento mais agradável de toda a exposição é o convite coletivo, proposto pelo grupo Opavivará, para que os visitantes usem a rede gigante presente na mostra, deitem, descansem, conversem entre si, etc... Eu, confesso, quase cochilei diante de tanto conforto e ainda conheci uma moça angolana, divertidíssima, cheia de histórias mirabolantes sobre a África recente. Só por esse módulo já valeu conhecer a mostra.
Volto para casa relaxado. Digo mais: repaginado. Logo eu, que pensava que nem todo assunto corriqueiro merecia um aporte desses. Queimei minha língua. E ainda por cima aprendi que não existe assunto que não mereça um estudo sofisticado. Não é o tema em si que importa, mas a maneira como ele é abordado.
Deu até vontade de comprar uma rede na Feira de São Cristóvão. Sério. O problema é encontrar um lugar aqui em casa para pendurá-la... Sem o cachorro ficar me atazanando, pedindo um espacinho para ele também.
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