Sempre tive neura com agulhas, logo não tenho o menor interesse por tatuagens no meu corpo. Contudo, por se tratar de uma forma de expressão visual (como ilustrações, selos, quadrinhos, etc), elas sempre despertaram-me uma gigantesca curiosidade. Principalmente na origem dessa forma de "arte". Sempre que posso inteiro-me sobre o assunto e seus principais expoentes. Assim, por sinal, fiquei sabendo da existência de artistas como Kat Von D, tatuadora que ganhou notoriedade por realizar tatuagens na cantora Lady Gaga.
E eis que me deparo, de forma até surpreendente, com a graphic novel Pigmento, da quadrinista Aline Zouvi, lançada pelo selo Quadrinhos na Cia.
Adentramos o mundo de Clarice, uma tatuadora cheia de questionamentos acerca do seu papel no mundo, enquanto trabalha nos mais distintos corpos no estúdio Maud Tatoo. Entretanto, após conhecer Taís, cuja avó decide fazer sua primeira tatoo aos 73 anos, ela sente algo que nunca imaginou sentir antes. Taís também é uma figura complexa, cheia de dúvidas e dilemas, e, a princípio, parece que o casal não emplacará.
Taís é uma restauradora de livros e vive também num mundo meio à parte da realidade. Seus melhores amigos são os símbolos, temas dos livros que restaura. E é justamente esse o elo de ligação que unirá as duas de uma vez por todas.
Entre as referências da HQ, passeamos entre a poeta Ana Cristina César, o psicoterapeuta Carl Gustav Jung e a psiquiatra Nise da Silveira (e seu clássico Imagens do inconsciente). Em meio a temas como visibilidade, autoimagem e amor LGBT, me deparo com um trabalho extraordinário que, mesmo na ausência de cores, mostra o brilho de suas discussões e propostas.
Acredito que desde os mangás de Junji Ito eu não me deparava com uma narrativa tão poderosa quanto esta!
Pigmento fez eu me lembrar de todas aquelas narrativas cinematográficas que bagunçaram com a minha cabeça ao longo da vida, me fazendo reviver pensamentos e escolhas difíceis. Se saí completamente encucado ao fim de longas como A cela, Eraserhead e Quero ser John Malkovich, aqui parece que finalmente me deparei com muitas das respostas que esperava encontrar em tempos passados (mas era muito prematuro, então, para lidar com aqueles desafios).
Recomendo, por sinal, a leitura de Pigmento principalmente para os leitores héteros, ainda mais os ditos bem resolvidos ou autossuficientes. O álbum chacoalha muito bem com nossas convicções e acho importante uma repaginada em nossas ideias de tempos em tempos (ainda mais tempos loucos como os desse século XXI repleto de ditadores da opinião e conservadores de butique). Leiam antes que algum moralista babaca implique com a obra e a tire de circulação a troco de nada.
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