Saudade de entrar naquela loja em Ramos, súbúrbio da Leopoldina, e falar com o Tino, dono da locadora, ex-bombeiro aposentado, perguntar sobre os lançamentos da semana ou do mês. E ele sabia que eu era fã do Terry Gilliam, do Woody Allen e do Roger Corman (um cineasta que, infelizmente, anda esquecido e precisa ser resgatado pelas novas gerações).
Para aqueles que hoje vivem a era dos streamings e a falsa sensação de diversidade ou variedade dos catálogos é difícil entender que, não muito tempo atrás, esse mundo era dominado por um fenômeno: o das videolocadoras.
Era um estabelecimento simples, nem tão grande assim, repleto de prateleiras, cheias de filmes, no princípio VHS (ou fitas de vídeo), posteriormente DVDs. Divididos em seções catalogadas por gêneros - terror, guerra, faroeste, comédia, etc - e separadas entre as produções recém-chegadas e os filmes antigos.
Sábados e domingos eram os dias que mais enchiam e alguns desses estabelecimentos faziam promoções e pacotes. Na locadora a qual eu era sócio pagamos um valor referente a 15 filmes e alugávamos 30! E tinham listas de reservas para os filmes mais procurados. Por causa delas, eu levei dois meses para conseguir rever Batman, de Tim Burton, em vídeo (isso depois de assistí-lo no cinema umas três vezes!).
E então você, locatário, se dava conta de que fazia suas próprias listas, mesmo que mentais:
O filme que eu mais aluguei: Os goonies, de Richard Donner.
O gênero que eu mais assistia: terror.
O diretor que eu mais revi: Stanley Kubrick.
O dia que eu mais ia na locadora: sexta.
A minha musa de hoje, amanhã e sempre: Natalie Wood.
O herói de ação foda: Sylvester Stallone.
E etc etc e haja etc...
Havia a seção dos filmes eróticos e nós, adolescentes, tentávamos burlar os funcionários da locadora e adentrar aquele espaço. Nunca conseguíamos. Havia até uma funcionária em particular, com seus óculos fundo de garrafa, que marcara o meu rosto. Ela sempre sabia quando eu ia tentar invadir aquele espaço e antecipava a sua vigilância. Nunca consegui enganá-la. Depois até rimos disso e nos tornamos amigos.
Anos depois ouvi que em São Paulo os cinéfilos de locadoras eram ainda mais fanáticos do que aqui no Rio e eu acredito. São Paulo quando ama, quando é apaixonado, é acima da média. Sempre.
Foi por causa das videolocadoras que eu comprei o meu primeiro caderno espiral e comecei a escrever minhas primeiras críticas. Às vezes pequenos apontamentos ou aspectos de um filme ou outro, uma trilha sonora aqui, um figurino ali, a maquiagem do Rick Baker em Um lobisomem americano em Londres, filme de John Landis, acolá.
O clube dos cinco, a franquia Indiana Jones, Rocky, Rambo, O exterminador do futuro, Curtindo a vida adoidado (hoje mais conhecido como "o filme mais famoso da sessão da tarde"), Alien, Gatinhas e gatões, Dirty Dancing, o cinema brucutu com Van Damme, Chuck Norris, Dolph Lundgren, Wesley Snipes e companhia limitada, Sexta-feira 13, A hora do pesadelo, Halloween, os clássicos com John Wayne, William Holden e Clint Eastwood que o meu pai pedia para alugar pra ele...
Tudo isso e mais o que a minha memória não lembrou nesse exato momento fez parte desta história. Para situar os viciados em cronologia, leia-se: o final dos anos 1980 e início dos 1990.
Hoje tudo isto é visto como cult, como vintage, e acho tudo isso um tanto saudável. Sou um nostálgico por natureza. Mas só quem viveu realmente, quem esteve lá, quem saiu de casa com a sua listinha no bolso da bermuda e voltou com as fitas (ou DVDs) embaixo do braço, sentou na sala em frente ao aparelho, duelou com a maldita tecla tracking que nunca ajeitava a imagem quando ela estava tremida, fora de foco, e ficava puto quando o filme não trazia trailers, só esse indivíduo sabe realmente o que foi esse período mágico.
Quando a Blockbuster chegou por aqui, dentro de mim eu já sabia: "acabou". Não era mais a mesma coisa. Era tudo perfeito demais, irretocável demais, cheio de regras em demasia. Deu no que deu. E não foi à toa que o futuro disso foi a Netflix. Mas essa é uma outra história... que não cabe aqui. Nesse delírio juvenil escrito por um quarentão que não esquece o quanto foram bons aqueles dias, semanas, meses.
Repito: saudade de entrar naquela loja em Ramos. E o mais triste é saber que a máquina do tempo só existe (ainda) no Delorean da franquia De volta para o futuro. Que inveja do McFly!
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