quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Eu voltei a ser criança


Alguns artistas, desde pequeno, me passam a impressão de serem figuras inesgotáveis, que só irão parar de trabalhar, que só iremos parar de ouvir o seu nome, quando ele não estiver mais entre nós. O cartunista Ziraldo Alves Pinto - ou simplesmente Ziraldo - é uma dessas figuras. O menino que nasceu em Caratinga, em Minas Gerais, tinha um encanto todo particular pelo desenho, pelo mundo das imagens. E sempre achei, por acompanhar seu trabalho de perto, que se ele não fizesse disso sua profissão, seu modo de vida, não seria mais nada. 

Ziraldo deu um susto nos fãs em 2018, quando sofreu um AVC. E nesse momento eu temi que aquele seria o começo do fim. Já me preparava, inclusive, para escrever um obituário elogioso sobre ele, enaltecendo sua carreira e falando do quanto ele contribuiu para a minha formação cultural e profissional. Para meu alívio e felicidade, eu estava enganado. O velho mestre ainda tem muito o que mostrar. 

No dia da consciência negra saí de casa para ir ao Museu Histórico Nacional e me deparei com a exposição Terra à vista e pé na Lua. E me perdi no mundo lúdico de sua obra, que algumas pessoas só conseguem enxergar como infantil, mas eu sempre olhei além. E saí de lá com uma certeza: Ziraldo é um dos maiores patrimônios culturais que esse pais possui. O que falta é lembrar a sociedade brasileira disso!

O homem que foi pioneiro no design, promoveu uma  revolução na literatura infanto-juvenil, escreveu para os mais importantes jornais e tabloides do país (dentre eles, A folha de São Paulo, a revista Cruzeiro e o antológico O pasquim) e foi, com folga, dos maiores críticos de costume que o Brasil já teve, é homenageado de uma maneira que até ele iria às lágrimas se visse o resultado. 

É preciso enaltecer o trabalho de cenografia da dupla Susana Lacevitz e Philppe Midani. O capricho, a precisão, a maneira como eles fazem despertar automaticamente a nossa ideia de memória afetiva. Mais do que um mero passeio, a exposição é - como bem se propõe desde o início - uma aventura humana rumo ao desconhecido, nos conduzindo das navegações marítimas às conquistas espaciais. 

Fiquei perdido entre os painéis (alguns de até dois metros de altura) do Pátio Minerva e os personagens gigantescos do artista, representados em escala humana, no Pátio dos canhões. Tinha até - acreditem! - canhão atirando flores. Melhor resposta para um país que prefere nos últimos tempos armas à livros, impossível.

E por falar em livros, eles também estão por lá, inclusive as edições originais de algumas de suas obras. E Ziraldo tem muita história para contar nesse quesito: Zeróis, Menino maluquinho, Flicts, A turma do Pererê, O bichinho da maçã, O planeta lilás, O menino marrom... A lista é imensa. Além deles, quadrinhos, tirinhas, cartazes, onomatopeias, ufa! Deu até canseira uma hora. Mas eu me sentei um pouquinho e continuei. Porque queria ver mais. 

Quer ver a antiga máquina de escrever que ele usava? Está lá. Quer ver a cadeira de bar dele, item de colecionador que ele praticamente não divide com ninguém? Também está lá. Isso fora o lado tecnológico que funde a exposição com outras mostras do Museu através de QR codes espalhados pelos salões. Ainda querem mais? No dia 30 de novembro ainda haverá uma ação educativa chamada "O alfabeto começa com Z", voltada para pesquisadores e professores da rede pública municipal. Para saber mais, dá uma fuçada no you tube do Museu. Eu já estou no aguardo para ver. 

Num release que li a respeito da exposição antes de sair de casa vejo que a proposta é reler o passado e recriar o presente através da história de vários Brasis (meio que uma resposta ao atual governo federal, de viés sempre unilateral). Entretanto, o legado mais importante que a proposta me produziu foi: por mais de duas horas eu voltei a ser criança. E isso nenhum político, discurso de ódio ou fake news irá conseguir tirar de mim. 

Valeu, Ziraldo. Por tudo. E toda saúde do mundo pra você.    


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