O gênero terror já me assustou mais e já me passou uma ideia de ser mais sujo, nojento. Não, é sério! Eu tenho achado o gênero um tanto clean nos últimos anos (salvo, é claro, diretores interessantíssimos como Jordan Peele e Robert Eggers) e a culpa disso é da própria hollywood, que não investe tanto em novas ideias boas e perde tempo sucessivamente com remakes desnecessários.
Nada era mais gratificante naquelas sessões de antigamente - no cinema e na tv, de madrugada - do que a boa e velha participação da maquiagem, dos efeitos práticos e das soluções baratas. Sim, pois CGI ainda não era sequer considerado prematuro naqueles tempos.
E um grande exemplo disso, desse cinema assustador, sujo, repulsivo, que marcou época é o sempre cult (pelo menos, para mim) A mosca, do diretor David Cronenberg, que completa 25 anos em 2021.
Acompanhamos a saga do cientista Seth Brundle (Jeff Goldblum) envolvido num projeto ultrassecreto. Ele convida a jovem jornalista Veronica Quaife (Geena Davis) para seu apartamento e lhe apresenta a um protótipo revolucionário de teletransportador. A princípio sua invenção parece extremamente bem-sucedida e desperta a atenção da jornalista, que quer fazer dele a sua matéria de capa.
O problema é quando Brundle decide testar seu invento em si próprio e é teletransportado de um módulo para o outro junto com uma pequena mosca. Suas cadeias de dna se fundem e ele passa a sofrer mutações genéticas irreversíveis. Desde o gosto acentuado por açúcar até o desinteresse nítido por asseio, ele começa a se tornar um inseto gigantesco, para o pavor de Veronica, única a testemunhar toda a autodestruição do cientista de perto.
A mosca faz parte, junto com longas como Videodrome - a síndrome do vídeo, A hora da zona morta, Gêmeos: mórbida semelhança e Scanners - sua mente pode destruir, daquela que eu considero a primeira fase da carreira do diretor David Cronenberg, que envolve - dentre outras temáticas - o fascínio exagerado pela maquiagem, o mórbido e o visual exótico.
Com o passar dos anos e a chegada dos cabelos brancos Cronenberg acabou direcionando sua sétima arte para outro caminho e se tornou um interessante diretor de dramas existenciais. Contudo, até hoje eu confesso sentir falta desse "outro lado" dele nas telas.
E no caso específico de A mosca, eu sempre vi o filme como a representação viva do que o escritor Franz Kafka fez com Gregor Samsa em seu livro mais famoso. Seth Brundle é, à maneira de Cronenberg, A metamorfose sem tirar nem pôr uma vírgula sequer.
E é preciso fazer um adendo importante aqui: desafio qualquer leitor dessa crítica que viu o filme e seja capaz de me apresentar um filme mais nojento do que esse. Até hoje eu olho para um inseto pousando na mesa da cozinha quando estou almoçando e me lembro de toda a deterioração corporal sofrida por Brundle no longa. Eu nunca mais consegui olhar para estas pequenas criaturas sem um certo nojo (e isso, meus caros leitores, é com certeza mérito da produção).
Depois de testemunhar toda essa nojentice muito bem criada como seria possível chamar esses filmes de exorcismo meia-boca e figuras sobrenaturais criadas em computação gráfica de assustadoras? Pois é. Como eu disse: o terror não assusta mais, não é mais repulsivo como antigamente. E isso é uma pena.
P.S: se tiverem tempo sobrando procurem também por A mosca da cabeça branca, de Kurt Neumann. Ambos são baseados num conto do escritor George Langelaan e a adaptação de 1958 também vale uma boa conferida (principalmente se você for cinéfilo raiz como eu!).
O enigma do outro mundo. Muito bom também.
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