Eu acordo antes das oito da manhã por causa da música que toca na casa da vizinha em frente. A mulher que canta fala de traição, diz que não aguenta mais, que não precisa passar por nada disso. E está certa a mulher que canta. E eu então me lembro da tragédia do dia anterior e de que não poderemos mais ouvir nada novo dela daqui pra frente. Cara... Isso é triste!
Por volta das duas e quinze da tarde a música popular brasileira perdeu a cantora Marília Mendonça, a rainha da sofrência. Ela faleceu aos 26 anos, ainda uma menina cheia de vida e de ideias, por conta de um acidente aéreo em Minas Gerais, onde iria realizar um show.
Da igreja aos vídeos no you tube (sim, aqueles vídeos em que, na maioria das vezes, você sempre pensa "não vai dar em nada" até que acontece). Dos vídeos às canções que escreveu para duplas sertanejas e o show pioneiro no Pará. Então a consagração, o fenômeno. Mas até que se tornasse a live mais assistida na pandemia, com mais de 3,5 milhões de pessoas assistindo online, muita água teve que correr por baixo dessa ponte.
Na série da Globoplay, Marília Mendonça: todos os cantos, pudemos conhecer um pouco da sua carreira, da sua vida, da correria, dos sacrifícios para estabelecer uma carreira, ainda mais num meio tão machista como é o sertanejo. E essa sempre foi a grande força da música - e do caráter - de Marília.
Ela cantou a infidelidade dos machistas, pôs o dedo na ferida e lutou por aquilo que acreditava. Em suas canções deixava claro aos ouvintes que não veio ao mundo para ser "plano B na vida de ninguém". E certa estava ela, mulher empoderada e corajosa como poucas.
"Saudade do meu ex", "Infiel", "De quem é a culpa?", "Eu sei de cor", "A gente não se aguenta", "Sentimento louco"... Hits que estão (e nunca sairão) da boca do povo, principalmente do público feminino. Marília era a voz dessas mulheres que não aguentam mais ficar no banco de reservas, que querem ir à luta e serem independentes.
A reviravolta na carreira de Marília estava logo ali, na esquina, esperando por ela. A turnê internacional de As patroas, ao lado da dupla Maiara & Maraisa, chegara aos states com direito à outdoor na Times Square e tudo. E se alguém no meio artístico merecia mesmo isso tudo era ela. Uma pena!
E eu me pergunto: o que sobra para os fãs, que agora acompanham ao longo do dia as notícias sobre a investigação da tragédia? Como ela bem disse em uma de suas músicas, "todo mundo vai sofrer". E acredite: todo mundo sofreu. Mas também cantou e vai continuar cantando, porque o nome dessa moça precisa continuar sendo lembrado.
Chego à conclusão - e vai ter muita gente me criticando, me chamando de exagerado, depois de ler isso que eu vou escrever agora - de que Marília Mendonça foi a Maysa do século XXI. Ninguém, absolutamente ninguém nos últimos anos, falou da dor e do sofrimento de uma maneira tão verdadeira, tão nítida e feroz, quanto ela. E como foi bom ouvir ela dizer aquelas palavras!
No Brasil de hoje, cheio de misóginos, cafajestes e moralistas com seus dedos acusadores e discursos fajutos, nunca precisamos tanto de alguém como Marília. E por isso sua morte é tão sentida.
Na ausência de palavras melhores e em meio às lágrimas que descem do meu rosto enquanto termino este singelo obituário, só me resta dizer "Fica com Deus, menina! E tenha certeza de que você era o máximo".
Sem comentários:
Enviar um comentário