sábado, 12 de janeiro de 2019

SLAM (Poesia como resistência)


Não importa sua etnia, branco, negro, índio, judeu, asiático. Não importa seu status social, pobre, rico, classe média. Seja homem ou mulher, hetero, trans. Você sobe no palco e fala. Você tem três minutos para defender a sua verdade, o seu ponto de vista. Naqueles exatos três minutos você é dono do seu próprio mundo. Você dita as regras do jogo. E naquele momento o jogo deixa de ser jogo e vira a sua forma de resistência. A sua voz contra o mundo e a realidade enfadonha do dia-a-dia. 

Para quem não conhece a poesia slam talvez o primeiro parágrafo deste texto tenha soado ou estranho ou uma tentativa deste autor de fazer um conto, uma narrativa curta. Agora: para quem sabe o que é o slam, então você sabe exatamente a que me refiro. 

Por onde quer que se ande ao redor do mundo a poesia hoje é sinônimo de Slam. E não digo isso em detrimento dos grandes poetas da história da humanidade. Quando era adolescente e leitor de Shakespeare, Drummond, João Cabral de Melo Neto, T.S. Elliot, Emily Dickinson e Sylvia Plath, alguns leitores mais velhos (e esnobes) do que eu defendiam o beletrismo da poesia. Mais: rechaçavam a ideia do verso livre. Para eles, a poesia era uma construção. E eu discordava absurdamente deles.

Para mim, a poesia era um grito. Ou, como bem defendeu Allen Ginsberg, poeta máximo da beat generation, um uivo. Gostava da poesia como enfrentamento, como defesa de um ponto de vista, de uma opinião, por mais feroz e ácida que fosse. Talvez por isso tenha lido Morte e vida severina e Romanceiro da inconfidência mais de uma vez. E também talvez por isso considere Fernando Pessoa um gênio inquestionável. 

O tempo passou (o tempo sempre passa, não é mesmo?) e abandonei os clássicos momentaneamente, à procura de um novo prisma poética, de uma poesia que tivesse a cara do cotidiano, das ruas. da verdade das ruas. Pois bem: assim é a poesia slam. 

Para muitos, o que o slam tem de mais verdadeiro é o fato de ser uma competição, um desafio entre vozes contemporâneas. Porém, considero essa uma definição um tanto simplória. As regras podem até ser claras: tempo máximo de três minutos para defender sua ideia, sem acompanhamento musical e apenas poemas próprios. Nada de chegar ao palco e ler um poeta consagrado, bajular ou plagiar um nome já conhecido. Não, senhor! O slam é a zona autônoma da palavra, sem desculpas para usar artifícios técnicos e líricos. Apenas você e o microfone. E, claro, o julgamento da plateia (pois, acreditem, ela sempre estará lá, à espreita). 

Acompanhei nesta primeira semana do ano uma de suas muitas competições que acontecem ao redor do país (a modalidade vem se tornando popular no Brasil) e fiquei perplexo. Não somente com a coragem dos competidores, mas também com a ousadia de seus textos. Naquele pequeno espaço, enquanto torcidas disputavam a gritos seus slammers (poetas) favoritos, verdades eram ditas, hipocrisias desmascaradas, pontos de vista refeitas, desabafos acentuados. E diante de alguns deles, meu rosto foi às lágrimas por me ver refletido em suas dores e lembranças. 

Na poesia slam não há restrição de tema, pois tudo é resistência. Na verdade, o verbo resistir é praticamente co-irmão desta modalidade. Aqui, tudo cabe: críticas à religião, violência urbana, refugiados, crise na saúde, falência do estado, democracia versus totalitarismo, feminismo, esquizofrenia, vaidade, música, cinema, teatro, cordel, apocalípticos e integrados... Só não vale estourar o tempo, sob pena de ser desclassificado. 

O gênero ganhou tanta projeção que na França (talvez o país mais midiático e renovador da Europa) existe uma copa do mundo do slam, sonho-mor de nossos competidores. Aliás, já mandamos slammers para lá que nos representaram com muito orgulho. 

O que mais me chamou atenção naqueles rapazes e moças (mas não se aflijam: o espaço é democrático e aberto a todas as idades) foi a necessidade de rompimento com qualquer tipo de academicismo e regra ortográfica. A poesia, naquele momento, funciona como um vômito onde ideias brutas, porém coesas e relevantes, são despejadas na cara do público. A verdade é cuspida, escarrada, necessária. Não há tempo para rodeios, mimimis e estereótipos babacas (na verdade, a sociedade de bem anda um tanto cansada deles!). 

Ao final da competição, prêmio entregue (o vencedor é um jovem de seus 19 anos, morador de Realengo, tranças rastáfari, marra evidente no rosto vincado pela dor de morar num bairro esquecido pelos governantes, mas orgulhoso de seu papel como cidadão do mundo, não só do Brasil), eu ainda fico perambulando pelos corredores, trocando ideias com as pessoas que também foram lá apenas para assistir a batalha. Sim, trata-se de um batalha, mas um batalha do bem, onde a última coisa que importa é quem ganhou ou perdeu. 

E, ciente do meu dia ganho (há bastante tempo não tenho um final de semana tão enriquecedor), chego à seguinte conclusão: precisamos de mais disso. Dessa verdade. Nosso país anda precisando MUITO disso. 

Agora. Neste exato momento. 

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