Apesar de não ser um espectador assíduo do Encontro com Fátima Bernardes devo admitir: volta e meia pesco algumas pequenas boas ideias capazes de serem desdobradas aqui em meus artigos. A última delas tem a ver com o fato da Universidade de Oxford, na Inglaterra, que todo ano elege uma palavra diferente para resumir o ano que se encerra, ter escolhido em 2018 a palavra tóxico. Mas é bom avisar com antecedência aos leitores: não se trata exclusivamente do tóxico com relação à drogas químicas e entorpecentes. Nada disso. Cabem aqui também alusões à relações e discursos tóxicos nessa nossa modernidade líquida e cheia de preconceitos e intolerâncias.
No momento em que a apresentadora do programa global falou a palavra escolhida em 2018 meu cérebro fervilha de ideias, cheio de vontade de fazer desabafos variados.
Nenhuma palavra resumiria melhor o que foi esse ano de 2018. Seja do ponto de vista político, social, cultural e econômico, estivemos muito à vontade com a expressão (e isso, meus caros leitores, não é um bom sinal; pelo contrário...) e pelo andar da carruagem os próximos anos prometem uma relação ainda mais indigesta com ela.
E me veio à mente a pergunta que não quer calar: por que somos tóxicos? Porque, dentre tantas respostas possíveis, não permitimos - ou desejamos - que nossos semelhantes tenham o mesmo direito à liberdade de expressão ou opinião que nõs temos. Porque não fazemos a menor força para entender conceitos como diversidade, ética, moral, sexualidade, raça, entre zilhões de outros motivos que, no final das contas, só serviram mesmo para colocar os fascistas e boçais no lugar mais alto do pódio. Porque simplesmente preferimos fingir que está tudo bem do que encarar a realidade, os fatos, as mazelas da vida.
Contudo, é preciso dizer: que bom seria se pudéssemos traduzir a grande covardia que virou o mundo em tão poucas palavras. Não, meus amigos, estamos muito longe disso e o tema é complexo por si só. Ser tóxico, intolerante, castrador, repressivo, virou sinônimo de modus operandi dessa nova sociedade, mais conservadora do que nunca, e orgulhosa de seus defeitos e desvios de caráter.
Ande pelas ruas, uma meia horinha que seja, caminhe ao redor do seu bairro, preste atenção às pessoas, ouça as conversas de seus amigos e vizinhos, e verão com a maior naturalidade o nível alto de toxicidade do país (e por que não dizer?) do mundo. Sim, porque se colocarmos em debate aqui neste mísero artigo questões como refugiados procurando lugar para morar ao redor do mundo, o discurso religioso e enfadonho de homens cujo único mérito que atingiram foi o de aumentarem suas contas bancárias e patrimônios, guerras santas, a sofisticação do conceito de guerra, transformando o conflito em algo comparável a um videogame, aí então, meus interlocutores, a toxicidade torna-se ainda mais nojenta e sórdida.
Somos tóxicos porque não vemos nossos semelhantes na maior parte do tempo, e quando os enxergamos - com hercúlea dificuldade- os vemos como seres inferiores a nós. Somos tóxicos ao não respeitarmos credos distintos, roupas exóticas, opções sexuais diversas, formas de pensamento modernas (e cabe aqui um parêntese: o moderno neste século virou sinônimo de esnobismo), sequer o ir e vir das pessoas. Somos tóxicos por causa daquela velha moral arcaica e que o brasileiro tanto adora do "porque eu quero e você não tem nada a ver com a minha vida!". Somos tóxicos por ignorância latente e vergonha administrada.
Confundiu? Ótimo! Precisamos urgentemente de um pouco de confusão nas relações sociais contemporâneas, tão cheias de certezas e virtudes. Não sei se já disse isso antes, em outro dos meus artigos, e se não disse digo agora: há alguns anos habito o terreno da dúvida, por opção minha mesmo. Tenho visto com certa preocupação questões como revisionismo histórico e fake news sendo tratadas com imensa banalidade, como assunto trivial, que não merece ser investigado a fundo. E acho tudo isso um tanto tóxico. As pessoas parecem tão certas, tão verdadeiras quanto a tudo que se passa, que me fazem pensar que o mundo precisa - e para ontem - de um grande reboot, ou quem sabe um novo big bang.
A toxicidade atual é consequência do desleixo e do medo com o qual vivemos nossos problemas diários. A covardia, sentimento antes voltado a seres de somenos importância, hoje ganhou status de cult. Vivemos a era dos ressentidos, talvez o mais tóxico dos grupos de interesse dessa louca humanidade em que habitamos. E pior: não sabemos como combatê-los, porque estão em maior número. Se por um lado Nelson Rodrigues acertou ao falar da revolução dos idiotas, e da quantidade deles, é preciso que encontremos uma vacina, cura (outra palavra problemática nos dias atuais) ou solução para o cenário que se encontra.
Tenho medo do que as novas gerações herdarão da minha. Tenho medo do futuro que está logo ali, sempre logo ali, na próxima esquina, rindo da nossa cara (e o futuro é sempre mais rápido do que gostaríamos). Tenho medo. Dos tóxicos e covardes e dos em cima do muro, dos maria vai com as outras, da ditadura da opinião que não nos permite evoluir, do pensamento único imposto por uma minoria que quando conhecemos mais de perto não é sinônimo de caráter, exemplo, moral, absolutamente nada. E todo esse tóxico - que a universidade de Oxford bem lembrou nesse final de ano - tem colocado as manguinhas de fora por tempo demais. E tudo o que é viciante sempre acaba mal.
Logo, somos tóxicos? Então por que não deixar de sermos?
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