sábado, 30 de agosto de 2025

O último best-seller brasileiro


É triste divulgar o falecimento do escritor e cronista gaúcho Luis Fernando Veríssimo, aos 88 anos. Tão triste quanto seria informar o "fim da literatura", de um dia para o outro. Mas, infelizmente, chegou o dia.

Veríssimo - assim como o pai dele, Érico, autor do clássico O tempo e o vento - me ensinou a ser leitor por vocação. Ambos tinham uma característica que me agrada em qualquer ficcionista ou homem de letras: falavam sobre qualquer assunto, sem rodeios. Política, sexo, morte, diferenças culturais... Não conheço um tema sobre o qual não soubessem discorrer (e bem).

E no caso do filho, assunto deste post homenagem, ele me apresentou a um universo de possibilidades engrandecedoras. Através de Luis conhecemos figuras como o detetive Ed Mort e o Analista de Bagé, duas de suas maiores criações. Ele também, como disse no primeiro parágrafo, era o homem da crônica. E ler seus textos nesse formato era quase uma obrigatoriedade, principalmente na época de ensino médio e faculdade.

Era maravilhoso encarar página a página sua inteligência afiada e seu sarcasmo mordaz. Ele se disse, em um de seus textos mais famosos, o "engenheiro da palavra", e estava coberto de razão: fazia o simples parecer sofisticado quando narrava. Adorava citar suas musas (Patrícia Pillar, Patrícia Poeta, etc) em suas reflexões. E não conheço uma pessoa sequer que o tenha lido e dito: "ele não era essa coisa toda, não!". Pelo contrário... Ele arrebanhou sozinho uma legião de fãs.

Gosto de enxergar Luis Fernando Verissimo - assim como Machado de Assis, Jorge Amado e Paulo Coelho - como um autor best-seller. Na verdade, acredito que ele foi o último grande best-seller da literatura brasileira. Parece parte de uma realidade que, infelizmente, não existe mais, em tempos de escritores que só falam da própria vaidade, da própria fama, da própria "mundanice". Uma pena!

Ele vai fazer MUITA falta no mercado editorial brasileiro. Ô se vai! Fica com Deus, mestre! 

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

O cotidiano nunca foi tão engraçado


Adoro charges, tirinhas de jornal, humor quadrinesco, cartuns e outros formatos dentro do mesmo tema. Em tempos tão áridos e atropelados pela ignorância e o ódio declarado ao próximo eles me fazem pensar que ainda é possível rir diante das agruras do mundo. E o quanto isso é, mais do que necessário, um pré-requisito para sobrevivermos a esse século XXI cada dia mais repleto de contradições.

E eis que encontro Rafaella Tuma e seu canal de vídeos curtos no youtube (sim, ele de novo!), além de sua página pessoal no instagram.

Rafaella fala sobre o cotidiano, o dia-a-dia, sem cair na armadilha de levarmos tudo a sério. Os assuntos mais corriqueiros tornam-se grandes sátiras pelas mãos da habilidosa desenhista. E olha que o que não falta atualmente na sociedade é assunto para trabalharmos ideias como sarcasmo, ironia, deboche e polarização social.

Cachorros que só querem sair na porrada quando há uma grade de ferro entre eles; aprendendo como funciona a cabeça de um carioca em apenas seis meses; cançonetas envolvendo figuras até então asquerosas como uma barata, um tolete de cocô e bactérias correndo atrás de restos de comida; pais tentando educar seus filhos (tarefa cada vez mais onerosa nos tempos atuais); casais que dividem, a duras penas, o próprio quarto, sendo um calorento por natureza e o outro se cobrindo de frio ao menor sinal de mudança de temperatura... E muito mais!

Fiz parte da geração que leu Angeli, Laerte, Aroeira e outras feras, em tempos de Chiclete com Banana e Níquel Naúsea nas bancas de jornal, e vejo Rafaella como uma grata contribuição para o surgimento de uma nova geração. Sim, pois se há algo que não pode morrer nesse país é a nossa capacidade de enfrentar a atual realidade sem cair na esparrela do identitarismo ou do revanchismo maldoso contra quem pensa diferente de nós.

Para quem não conhece o trabalho de Rafa na internet, procurem por https://www.instagram.com/rafaellatuma/?hl=pt e seu canal no youtube https://www.youtube.com/rafaellatuma. Vocês certamente vão se escangalhar de rir, além de construir uma outra percepção sobre a realidade na qual estamos vivendo.

Vai lá, vai!

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

O mundo "mágico" dos influencers



Quando Willy Wonka (versão do Tim Burton/Johnny Depp) permitiu, através de um concurso, que cinco crianças adentrassem sua fábrica de chocolates, ao contrário do filme original com Gene Wilder, teve quem o chamasse de pervertido, imoral. O que dizer então desse mundo "mágico" criado nos últimos anos pelos influenciadores digitais?

Após assistir o vídeo produzido pelo Felca sobre a adultização de crianças na internet e todo o burburinho que o tema vem gerando nos últimos dias, fiquei com uma pulga ainda maior atrás da orelha quando o assunto são os influenciadores. Primeiro de tudo (e essa pergunta nunca me saiu da cabeça desde que ouvi falar sobre eles pela primeira vez): a quem influenciam essas criaturas? E pergunto isso seriamente.

Num mundo onde praticamente qualquer um, sem o menor talento para nada, pode ser tornar uma pessoa pública, uma celebridade, um famoso, tem quem chame até de "artista" (e olha que tem ex-dançarina, atual atriz pornô, se vendendo dessa forma nas mídias sociais!), o que esperar de quem diz influenciar a sociedade no que quer que seja?

Os influencers são, em sua grande maioria, pessoas detestáveis. Bando de oportunistas que viram na falácia, na construção de falsos discursos e imagens, uma ponte para realizar seus sonhos de grandeza. Apoiam e associam sua imagem à anunciantes tenebrosos (como as execráveis bets, por exemplo) e, principalmente, à uma cultura em que "levar vantagem a qualquer custo" passou de clichê à principal característica.

Tem de tudo nesse universo torpe: humorista sem graça, ex-esposa de filho de sertanejo, gente que se tornou conhecida por frequentar festas de famosos, mas não trabalha especificamente no meio (não atua, não escreve, não canta... vive de postar a vida fútil nos instagrans da vida), falsos especialistas em assuntos como maquiagem, gastronomia, moda e até mesmo quem quer dar palpite sobre cinema, teatro, tv, quadrinhos, livros, embora não conheça absolutamente nada sobre o que quer que seja. Em suma: pessoas que vivem de achismos, memes e um glamour fajuto.

Chacrinha, o velho guerreiro, costumava dizer em seu bordão famoso que "quem não se comunica, se trumbica". A versão 2.0 disso na sociedade contemporânea é "quem não ilude o próximo, não prospera".

Tristes tempos em que precisamos dar relevância à seres humanos vazios, cujo único comprometimento é com a própria vaidade e o estilo de vida (transformando alpinismo social em projeto de carreira). E pensar que essas pessoas movimentam cifras astronômicas, empregam pessoas, ditam comportamentos, chegando a virar título de teses, romances, livros de não-ficção, documentários, filmes, etc.

Quais serão as "cenas dos próximos capítulos" - pegando de empréstimo uma expressão dos tempos em que a televisão fazia sentido, diferentemente dos dias atuais - em meio a esse circo de horrores no qual foi transformada a internet? E ainda tem idiota que é contra regular isso em nome de uma suposta demagogia travestida de liberdade de expressão... 

sábado, 16 de agosto de 2025

50 anos de uma louca viagem que não se repetiu mais


Eu já disse isso algumas vezes nesse blog, mas na boa... Vou continuar repetindo: existem filmes e filmes. Produções que visam o lucro, o enriquecimento de seus estúdios, elencos, produtores. E outros que bugam a mente de seus espectadores, os fazem cantar, dançar, viajar, delirar, questionar, rever e reformular suas opiniões. A esses, do segundo grupo, costumo chamar de "a verdadeira sétima arte".

E um deles, em 2025, Rocky Horror Picture Show, musical dirigido por Jim Sharman, acaba de completar 50 anos de diversão e glória. Longa a vida a ele!

O casal Janet Weiss (Susan Sarandon) e Brad Majors (Barry Bostick) fica preso no meio da estrada - mais especificamente: numa área completamente isolada - após o pneu do carro furar e precisam pedir ajuda numa residência ali perto. O que eles não sabiam é que, após conhecer o dono do imóvel, o Dr. Frank-N-Furter (Tim Curry, extraordinário!) eles embarcarão numa das experiências mais insólitas (e extraordinárias) de toda a sua vida.

Rocky Horror Picture Show é um fenômeno dos chamados Midnight Movies (filmes que, a priori, eram descartados pelos estúdios em sessões testes fracassadas e vendidos para emissoras de tv num acordo que envolvia serem exibidos após a meia-noite. Entretanto, donos de cinemas poeira - concorrentes minúsculos das grandes redes - lançavam esses longas em circuito com uma campanha de marketing que fazia o público comprar a ideia logo de cara e se tornar habitué do formato).

No caso da produção de Sharman, os espectadores iam caracterizados como os personagens do filme, o que fez com que surgisse uma cultura que, anos depois, passamos a chamar de cosplays. O longa chegou a ficar em cartaz num mesmo cinema por mais de um ano ininterrupto, para alucinação total dos admiradores.

Porém, é preciso destacar um detalhe importante: esqueçam absolutamente tudo o que vocês já viram previamente no gênero musical. De Cantando na chuva à Cabaret, de Amor, sublime amor à Sinfonia em Paris... Rocky Horror não se encaixa em nenhum tipo de formato ou padrão prévio. E ele ousa em suas intenções do primeiro ao último fotograma, deixando o público com um gostinho de quero mais e se perguntando: "em meio a tantas porcarias que já tiveram sequências em hollywood, por que o filme de Sharman nunca teve uma parte II?

Enfim... Hollywood também sabe ser injusta com os fãs quando quer. E ver essa obra-prima da perversão ser ainda cultuada tantos anos depois, mesmo em tempos de Donald Trump e seus asseclas moralistas e ultrapassados, é com certeza uma revanche merecida contra quem não acreditava que o filme pudesse chegar tão longe.

Agora chega de falar, porque eu quero que vocês assistam essa joia rara. O quanto antes. 

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Jura que já tem 40 anos?


4 décadas? Mesmo? Putz! Envelhecer, às vezes, é foda.

Mês passado o Live Aid completou 40 anos e me deixou pensando se ainda veremos um mundo capaz de produzir um evento como esse. Digo isso porque ando um tanto indignado com a humanidade e os rumos que o planeta terra vem tomando, em meio a tanto conservadorismo, repressão e frustração passadista. Parecemos fadados a um retrocesso cada dia mais incômodo e lembrar de grandes momentos como este me faz manter os bons pensamentos e a nostalgia vivos em algum lugar da minha existência.

O Live Aid foi criação da dupla Bob Geldof e Midge Ure, cujo objetivo era arrecadar fundos a fim de acabar com a fome na Etiópia. Com palcos instalados em Londres, Filadélfia, Moscou, Sydney e Tóquio, reuniu milhares de artistas do primeiro escalão, todos voltados para a causa. Tem quem chame aquele 13 de julho de 1985 de "o segundo Woodstock" e não é à toa.

Talvez o momento mais famoso de todas as apresentações foi a participação do Queen, que vinha afastado dos palcos há algum tempo. Ver Freddie Mercury cantando "Bohemian Rhapsody", "Radio Ga Ga" e "We will rock you" é com certeza das cenas mais famosas da cultura pop em todos os tempos. Mas não somente por eles.

Houve um pouco de tudo de melhor que o show business era capaz de proporcionar naquela década: o reencontro de bandas como Led Zepellin e Crosby, Stills, Nash & Young; David Bowie agitando a galera com "Modern Love" e "Rebel rebel"; Bob Dylan partindo a corda da guitarra e usando de empréstimo o instrumento de Ron Wood, baixista dos Stones; Elton John elétrico em seu piano e em duetos com Kiki Palmer e George Michael; Phil Collins fazendo uma dobradinha com Sting; The Who, Paul McCartney, Eric Clapton... Ufa! A lista era imensa.

E olha que ainda teve gente que não pode participar ao vivo (Mick Jagger, Prince...) por conflitos de agenda.

Mais do que simplesmente um dia voltado à música, o Live Aid se tornou um marco no segmento campanhas institucionais. E, cá entre nós, eu tenho minhas dúvidas se hoje em dia - em tempos de Rock in Rio e Lollapalooza com suas atrações repetitivas e óbvias - o público entenderia a razão do evento e suas repercussões para o futuro. Sei lá... O mundo anda cada vez mais imediatista e monetário.

Quem não era nascido na época e quer sentir um pouco do clima daquele período, procure pelo canal Live Aid no youtube. Eles reuniram uma série de vídeos com as apresentações que aconteceram nos cinco palcos. É memorabilia pura!

terça-feira, 5 de agosto de 2025

O camaleão da MPB


O cantor Ney Matogrosso completou 84 anos de idade mais influente e na crista da onda do que nunca. Virou tema do filme Homem com H, de Esmir Filho e será enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense em 2026. Porém, mais do que isso, permanece referência quando o quesito em questão é liberdade. Manter-se atual, relevante e sem se repetir numa era onde a própria classe artística prefere, muitas vezes, ser a cópia da cópia, é para poucos. E eu sempre quis ler mais sobre ele, sobre sua vida, suas escolhas, a trajetória até que chegasse aonde ele chegou.

Resultado: fui ler Ney Matogrosso: vira-lata de raça, livro de memórias produzido a quatro mãos, junto com o escritor Ramon Nunes Mello (que, desde já, adianto: pretendo procurar mais obras dele, que é um pesquisador nato).

Da infância nostálgica (com um pai pra lá de difícil, um militar velha guarda) aos palcos, desenhos, vestimentas, luzes, paetês... O homem que cantou "o vira", "sangue latino", "rosa de hiroxima", "bandido corazón" e tantos outros hits, também já quebrou muita pedra, sobreviveu de artesanato vendido nas ruas, trabalhou em hospital e se utilizou da estrutura militar oferecida pela Aeronáutica para sair de sua cidade e recomeçar do zero.

Assim como a canção homônima de Rita e Beto Lee, que dá título ao livro, Ney foi realmente "uma criança problema no meio de um dilema". E superou tudo isso com garbo, foi além, muito além na verdade, de suas próprias expectativas. E a consequência disso para nós, fãs extasiados, foi a presença desse camaleão da MPB nos palcos, nos clipes, nas entrevistas, etc.

Lembro de Ney Matogrosso cantando "América do sul" e exaltando sua defesa em nome dos latino-americanos, um postura totalmente de confronto a muitos vira-latas e baba-ovos do made in USA que adoram dar pinta de moralistas por aqui. Foi um deslumbre em todos os sentidos. A postura corporal, a voz, a afronta, o significado de tudo aquilo, e mais do que isso: um sentimento de "se ele pode escancarar, encarar o leão de frente, eu também posso e vou". Virei fã pra vida (e deixo aqui meu muito obrigado ao cantor pela influência).

Ao fim da leitura fico sabendo da existência da biografia, escrita por Júlio Maria. Já estou no encalço, é claro! E para não perder a viagem também recomendo os longas-metragens no qual trabalhou como ator (sim, meus amigos leitores desse blog, ele também atuou em outros palcos, e com primazia!). Procurem no IMDb a lista com seus créditos cinematográficos. Vale - e muito - a pena.

Faltou falar alguma coisa? Sobre o Ney? Lógico! Ele é uma enciclopédia viva da transgressão. Uma tese de mestrado talvez não explique sua persona. Então vê se toma vergonha na cara e procura esse livro aqui sobre ele o quanto antes, pelo amor de Deus...